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A difícil prova dos atletas olímpicos para manter a identidade

por Mauro Bellesa - publicado 02/07/2017 20:35 - última modificação 10/07/2017 17:35

Em ano sabático no IEA, Katia Rubio, da EEFE-USP, desenvolve projeto sobre as consequências para atletas olímpicos obrigados a sair de sua cidade, região ou do Brasil em busca de melhores oportunidades para suas carreiras.
Natação brasileira
O atleta profissional hoje é um nômade que vai aonde há oferta de trabalho, segundo pesquisadora do IEA

O público acompanha apenas o espetáculo proporcionado pelos atletas olímpicos e acaba tendo uma visão distorcida da vida que eles levam. Imagina um dia a dia de glamour e sem percalços, mas não é essa a realidade, segundo a professora Katia Rubio, da Escola de Educação Física e Esporte (Eefe) da USP e participante da 2ª edição do Programa Ano Sabático no IEA.

"O atleta profissional hoje é um nômade que vai aonde há oferta de trabalho e esses deslocamentos afetam até sua identidade", afirma Katia, que desenvolve desde março no Instituto a pesquisa "A Influência dos Deslocamentos Nacionais e da Migração Transnacional na Formação da Identidade de Atletas Olímpicos Brasileiros".

O corpus da pesquisa são as mais de 1.300 narrativas biográficas de atletas brasileiros participantes dos Jogos Olímpicos de 1948 a 2016 produzidas pela pesquisadora nos últimos 17 anos.

Políticas públicas

A perspectiva de Katia é que a pesquisa seja uma contribuição para a geração de políticas públicas de apoio aos atletas. Uma delas seria a regulamentação profissional: "Mas terá de ser uma política diferenciada, inclusive em termos de aposentadoria, pois o atleta tem uma vida profissional bem mais curta do que os outros trabalhadores e, além disso, muitas vezes começa a atuar antes da idade mínima determinada para o trabalho de menores de idade."

Outro resultado da pesquisa será a produção de subsídios para os trabalhos acadêmicos e aplicados das especialidades que acompanham a trajetória de um atleta, caso da psicologia, medicina, fisioterapia, nutrição, serviço social ("principalmente para as equipes de base"), antropologia e sociologia.

Ela acredita que o trabalho também possa oferecer indicações para a preparação integral dos atletas, algo "já existente em alguns clubes formadores que se preocupam em fornecer aos atletas informações sobre o mundo com que vão se deparar".

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Katia Rubio

A estrutura institucional do esporte também afeta profundamente os atletas, de acordo com Katia. "A dedicação ao esporte nasce como uma atividade do indivíduo, mas depois ele precisa se sujeitar à estrutura hierárquica do país, que vai da necessidade de estar vinculado a um clube, disputar torneios regionais por sua cidade, ingressar na seleção estadual e depois chegar à seleção nacional, que disputa torneios internacionais."

Ela compara essa situação a "uma bola de ferro presa ao pé do atleta", de tal forma que a partir do momento em que ele ingressa no sistema "perde a liberdade de transitar como cidadão da maneira que gostaria".

Profissionalização

Com a profissionalização nos anos 80, o esporte se tornou um mercado de trabalho transnacional como poucos outros, afirma Katia. "Pouco importa que língua o atleta fala; o que se espera dele é que treine, dispute competições e seja campeão." Isso mudou completamente a dinâmica do esporte olímpico, segundo ela.

"Na pesquisa, vou analisar todo o processo desse sujeito que sai do local de origem, vira um cidadão do mundo e ao mesmo tempo perde a referência de si mesmo nos processos de deslocamento."

Até a rapidez dos deslocamentos na atualidade afeta a vida do atleta: "Hoje, quando em 36 horas se está do outro lado do mundo, o atleta não vivencia os deslocamentos como acontecia no passado. Ele não tem tempo para se adaptar a novos lugares e culturas. Chega e começar a treinar, gastando de 6 a 8 horas nisso, restando outras 8 horas para uma vida social que alguns não conseguem desenvolver. Alguns procuram aprender o idioma e obter informações culturais, fazer uma adaptação mínima à alimentação e ao clima. Outros vão com a cara e a coragem".

Katia ressalta que uma coisa é o desejo do atleta de viver essa vida, outra é quando ele percebe que o nível de expectativa sobre aquele desejo é muito maior do que a dureza da vida no lugar para onde ele foi. "Muitas vezes, um atleta que é ídolo no Brasil, quando vai para outro lugar, se torna uma pária, acaba por não corresponder às expectativas e isso vira uma bola de neve que o afeta profundamente."

Foto (a partir do alto): Danilo Borges/ME; Leonor Calasans/IEA-USP