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Brasil ainda precisa de mais obras hidráulicas, diz Braga

por Sylvia Miguel - publicado 09/09/2016 13:50 - última modificação 18/01/2017 16:10

Professor da USP e atual secretário de Saneamento e Recursos Hídricos defende um mix de investimentos em infraestrutura e gestão integrada
Benedito Braga

Benedito Braga, secretário de Saneamento e Recursos Hídricos

Com longa experiência no setor hídrico, o atual secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do estado de São Paulo, professor Benedito Braga, da Escola Politécnica, já passou pela Agência Nacional de Águas e é presidente do Conselho de Administração da Sabesp, além de presidente do Conselho Mundial das Águas.
Em entrevista ao IEA, Braga fala da necessidade de investimentos em obras de engenharia, sobre gestão integrada dos recursos hídricos e das ações do estado no que se refere ao sistema de abastecimento, incluindo a transposição do rio Itapanhaú, no litoral norte. O traçado da obra é contestado por ambientalistas porque poderá desmatar remanescentes florestais no Parque Estadual da Serra do Mar, uma das mais importantes Unidades de Conservação do Brasil.

IEA: As diretrizes estaduais quanto à gestão dos recursos hídricos continuarão priorizando investimentos em infraestrutura e mais interligações?
BRAGA
: Vamos continuar como sempre fizemos. O Brasil tem a legislação mais avançada do ponto de vista da gestão dos recursos hídricos. Nossa legislação inspirou a lei da África do Sul. Temos comitês de bacia, participação sociedade civil, agências, municípios usuários de água, as ações do estado. Portanto, esse modelo deve continuar e ser aperfeiçoado. O estado tem grande preocupação com segurança hídrica, ou seja, a oferta suficiente de água para consumo humano, dessedentação animal, desenvolvimento econômico e conservação dos ecossistemas. Passamos por uma crise complicada em 2014 que trouxe uma consciência maior da importância desse conceito. De um lado, temos que promover obras estruturantes para trazer água para o sistema. Ao mesmo tempo, devemos promover o uso eficiente pelas pessoas, pela indústria e o comércio. Temos programas de conservação das bacias. O estado de São Paulo tem o Programa Nascentes para a recuperação das matas ciliares. É um programa de governo e diversos órgãos trabalham juntos. A Secretaria de Meio Ambiente do estado lidera a iniciativa, mas a Secretaria de Recursos Hídricos trabalhou na montagem do programa junto com a SMA. Outros programas também funcionam de forma integrada, como a limpeza do rio Pinheiros e muitos outros.

IEA: O que o estado de São Paulo pode fazer no médio e longo prazo para assegurar o abastecimento de água no futuro?
BRAGA: O estado de São Paulo trabalha em um conjunto de obras estruturantes para garantir o abastecimento da população. Veja o caso do Sistema São Lourenço, uma das maiores obras de infraestrutura no país. Quando concluído, o sistema vai captar 6,4 mil litros por segundo na cachoeira do França, em Ibiúna, volume suficiente para atender 2 milhões de pessoas.
Além disso, a interligação entre as represas Jaguari (bacia do Paraíba do Sul) e Atibainha (bacia do Sistema Cantareira) permitirá a captação de água na represa Jaguari e a transferência para a represa Atibainha. Com vazão média prevista de 5.130 litros por segundo, o sistema também permitirá a transferência de água no sentido contrário, da represa Atibainha para a Jaguari.
Por sua vez, a reversão na bacia do Itapanhaú é outra obra importante quando pensamos no abastecimento da população. A capacidade de captação média será de 2 m³/s e o investimento previsto é de R$ 170 milhões. Um trabalho de monitoramento ambiental será realizado de modo a preservar a fauna e a flora do Parque Estadual da Serra do Mar e da restinga e mangues de Bertioga, onde o Itapanhaú deságua no mar.

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IEA: Como o senhor vê o caso da gestão integrada da água nas montanhas de Catskill, em Nova York? Seria possível aplicar o modelo no Brasil?
BRAGA: Eles já tinham grandes obras de engenharia e, portanto, não precisavam mais investir só nisso. Os aquedutos de lá chegam a uma distância de 200 quilômetros. Há um mito de que só gestão integrada resolve tudo. Veja a situação do Leste da África ou da África Subsaariana: como fazer gestão integrada num local onde há nem reservatório para armazenar a água durante a seca? Precisamos parar com essa ideia de que engenharia não serve para nada. Isso é um discurso de países desenvolvidos que já fizeram toda a sua obra de engenharia e que tentam passar para países pobres, sem infraestrutura, que não é necessário fazer barragens, adutoras, que é só sentar numa mesa e conversar e assim a água sai de um lugar e vai para outro.

IEA: O sistema Cantareira é gigante e muitos outros complementam o abastecimento. Já não temos infraestrutura suficiente para abastecer São Paulo?
BRAGA
: Engano. Temos muitas obras a fazer ainda no Brasil. A obra em andamento que fará a transposição das águas do rio Itapanhaú, por exemplo, é muito importante para ampliação da capacidade hídrica da Região Metropolitana de São Paulo. O rio corre da Serra do Mar para Bertioga, no litoral norte. Está dentro da uma reserva de Mata Atlântica, não tem agricultor. É só ir lá e trazer água para São Paulo. É uma obra estimada em R$ 200 milhões de reais. Mas sem dúvida alguma temos de trabalhar na gestão. Veja o bônus e o ônus criado durante a crise hídrica. São tarifas de contingenciamento para quem gastava muito e com isso reduzimos o consumo sem a necessidade de fazer obra. Não vejo essa dicotomia entre obra de engenharia e gestão compartilhada. As duas coisas se complementam.

IEA: Os organismos do governo estadual são engessadas para implantar eficazmente a gestão compartilhada? A bacia do PCJ (sistema Piracicaba, Capivari e Jundiaí) é uma das poucas que conseguiram efetivar o pagamento de serviço ambiental a partir da Cobrança pelo Uso da Água Bruta. Como o estado de São Paulo está pensando a gestão integrada e o instrumento de PSA?
BRAGA
: Citei o Programa Nascentes, que é de saída é uma iniciativa conjunta. O estado está integrado. O PSA, em especial o Programa Produtor de Água, está funcionando na Bacia do Piracicaba e em Extrema, Minas Gerais. O agricultor tem que se adequar e fazer uma agricultura sustentável para ter acesso ao financiamento proposto no âmbito de PSA.

IEA: Em sua opinião, grandes empresas, especialmente as que utilizam ou vendem matérias primas e recursos naturais, não deveriam ter programas transparentes e metas claras de compensação ambiental? A Sabesp, por exemplo, empresa da qual o senhor é presidente do Conselho de Administração, faz algum tipo de reflorestamento para contribuir com o equilíbrio hidrológico dos mananciais que explora?
BRAGA
: A Sabesp tem o papel de produzir água de boa qualidade. Há problemas de tratamento em algumas bacias. Mas no interior do estado, todos municípios tem 100% de esgoto coletado e tratado. Mas há problemas, por exemplo, na região metropolitana e no litoral norte. Porém, na crise hídrica, tivemos que fazer uma opção entre segurança hídrica e tratamento de esgoto. Então tivemos que diminuir os investimentos em tratamento de esgoto. Mas não só o tratamento de esgoto é um problema, como também a questão da poluição difusa nas cidades e as ligações clandestinas de esgoto direto na rede pluvial (proveniente das chuvas). E sobre isso já realizamos uma interação com a prefeitura. Existe um comitê envolvendo a Sabesp e a prefeitura da capital que trabalha no sentido de buscar soluções para o saneamento. É uma questão que vai demorar para resolver.

IEA: Há renomados especialistas, inclusive na USP, que defendem o investimento massivo em águas de reúso. O que o senhor acha disso?
BRAGA
: Não dá para resolver o problema de uma metrópole como São Paulo com água de reuso. Já agimos nessa direção, mas não para uso potável e sim para lavagem de ruas, canteiros, irrigação de parques. Em 2015, foram produzidos 1,8 milhão metros cúbicos nas estações de tratamento de Barueri, Parque Novo Mundo e São Miguel. Temo também o projeto Aquapolo que abastece indústrias do ABC e assim libera a oferta de água potável para fins mais nobres. O reúso potável deve ser considerado em países como Namíbia, por exemplo, que fica a 2000 metros de altitude, num país totalmente árido.

IEA: Conservar matas ciliares, nascentes e reflorestar já não traria, naturalmente, um grande volume de água para a metrópole?
BRAGA
: Estamos fazendo a conservação e não só falando. O Programa Nascentes tem a meta de plantar 8 milhões de árvores e já plantamos 2 milhões. Para simplificar, acredito que não existe o trabalho isolado em conservação. Isso é algo importante e o estado está fazendo, reflorestando, melhorando as condições dos reservatórios e das nascentes. Outro ponto é: se quisermos ter segurança hídrica, não será somente com essas iniciativas. As obras de engenharia são necessárias. Precisamos fazer um cotejo entre engenharia, conservação e reúso. Há um portfólio de ações, não uma dicotomia entre obras e conservação.

IEA: Como é a atuação do Conselho Mundial da Água?
BRAGA
: A estratégia trianual do Conselho privilegia o tema das cidades. Em função do alto grau de urbanização que o mundo vive, a visão é promover ações que integrem saneamento, resíduos sólidos, combate a enchentes, política habitacional e de transportes, como setores que não podem ser distanciados da gestão dos recursos hídricos. As ações empreendidas no mundo relativas às mudanças climáticas focaram até hoje o mercado de energia e carbono. Então a visão do Conselho é voltar os olhos para adaptação, porque a variabilidade do clima hoje é tal que traz problemas sérios à oferta de água especialmente em países com menos infraestrutura hídrica. Em países como Zimbábue, as variações do PIB e das chuvas possuem uma correlação quase perfeita, porque o país não tem reservatórios nem um sistema de gestão hídrica.

IEA: Como as diretrizes do Conselho Mundial da Água são aplicadas no estado e na capital paulista?
BRAGA: Existe um trabalho com a prefeitura de São Paulo, por exemplo, para proteção dos mananciais que é feito com a Secretaria de Habitação, para reurbanizar comunidades em áreas de mananciais. Essas comunidades não possuem coleta nem tratamento do esgoto, fraudam a captação da água e a ideia é resolve o problema dos esgotos nessas e outras localidades com o mesmop problema. Os organismos atuam com recursos da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos e apoio do Banco Mundial.