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Educação brasileira precisa se adaptar ao uso de tecnologia nas salas de aula

por Vinícius Sayão - publicado 30/11/2017 14:05 - última modificação 22/01/2019 16:25

Para Chao Lung Wen, professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), país está atrasado sobre como usar a tecnologia de modo eficiente na educação

Apesar de ser cada vez mais frequente a presença de smartphones e computadores nas escolas, o uso da tecnologia na educação brasileira ainda não é tão eficiente como poderia ser. Para Chao Lung Wen, professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), “precisamos acompanhar as inovações e melhorar as capacitações dos professores. Não há mais o que discutir sobre o uso de tecnologia na educação. Estamos atrasados sobre como usá-la de modo eficiente". Lung Wen participou de conferência no dia 22 de novembro, no IEA, sobre tecnologia e educação a distância na educação básica.

Matéria - Guilherme Ary Plonski
Ary Plonski: “Estamos todos imersos num ambiente com tecnologias. Precisamos, portanto, preparar os estudantes para navegar nesse mundo e aproveitar o que é bom"

Organizado pelo Grupo de Estudos Educação Básica Pública Brasileira, este foi o terceiro encontro de uma série de cinco seminários, previstos para acontecer até o início de 2018 sobre problemas da educação básica brasileira – que compreende educação infantil, ensino fundamental, ensino médio geral, ensino médio técnico e a Educação para Jovens e Adultos (EJA). O primeiro aconteceu em setembro e abordou a qualificação dos professores do ensino básico público e a infraestrutura de que dispõem para sua atuação. O segundo, em outubro, abordou a qualidade da educação. Os próximos seminários serão sobre os seguintes temas: experiências inovadoras e documentos reguladores (planos, currículos, base nacional comum).

“Essa história de que a geração digital sabe de tudo é a maior ilusão. O correto é dizer eles não têm medo da tecnologia e a função do professor é ensinar a discernir o que é importante e correto e como utilizar para o aprendizado”, complementou Lung Wen. Na FMUSP, ele ministra a aula de Telemedicina, que tem como objetivo preparar os alunos para as novas realidades tecnológicas que envolvem a profissão.

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Também presente na conferência, Guilherme Ary Plonski, vice-diretor do IEA e atual diretor da área de tecnologia e inovação da Fundação Vanzolini, acredita que o acesso aos computadores não pode mais ser apenas nas aulas de computação, como complemento às disciplinas convencionais. “Estamos todos imersos num ambiente com tecnologias. Precisamos, portanto, preparar os estudantes para navegar nesse mundo e aproveitar o que é bom, ao mesmo tempo ter consciência dos valores envolvidos. É um mundo que está em transformação”, afirmou.

Segundos dados do relatório de 2016 do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), levados ao debate por Plonski, 95% das escolas públicas localizadas em áreas urbanas possuem acesso à internet. Dessas mesmas escolas, 98% têm computador de mesa e 86% portátil (notebook). No entanto, o que predomina como equipamento utilizado pelos alunos para acessar à internet é o celular: em 2016, 77% disseram ser esse o principal meio de acesso à rede.

Os dados condizem com a evolução tecnológica nas escolas. Como explicou Plonski, o uso das tecnologias nas escolas era feito em um laboratório de informática; depois, a ideia era existir um computador por aluno dentro das próprias salas de aula. Hoje, predomina o chamado BYOD (do inglês, bring your own device), no qual os alunos levam os equipamentos a serem utilizados.

Plonski comparou a dificuldade das escolas de lidar com a tecnologia com o saci-pererê, personagem folclórico brasileiro marcante por suas travessuras: “O único jeito de parar o saci é tirando a carapuça dele e guardando em uma garrafa. Muitas vezes existe a dúvida de como lidar com a tecnologia, como prendê-la numa garrafa”.

Educação a distância

Uma forma de tirar proveito da evolução tecnológica em prol do ensino é a educação a distância. "A formação do professor através da educação a distância, com a tecnologia, vai fazer o professor estar nessa sociedade digital", afirmou a também conferencista do evento, Maria Alice Carraturi, atual presidente da Universidade Virtual de São Paulo (Univesp), universidade pública que oferece cursos semipresenciais para todo o estado.

Segundo Maria Alice, uma das principais metas da EaD é “ensinar coisas difíceis de forma fácil". Ela explicou que os alunos têm apenas uma disciplina teórica por vez, com as atividades práticas simultaneamente, permitindo que o estudante se aprofunde mais nessa matéria, sem ficar sobrecarregado com outras. Todas as vídeoaulas da Univesp são gratuitas e estão disponíveis para todos acessarem na internet.

Muitos dos alunos de cursos a distância já são formados em outras profissões e desejam melhorar suas capacitações ou até mesmo sair do mercado para entrar na docência com cursos de licenciatura.

Ela lembrou que os alunos dos cursos semipresenciais precisam compreender as diferenças do modelo. “Quando entramos na educação presencial ninguém fala como devemos ser como alunos. Na EaD temos manuais. No presencial já sabemos como se comportar, na rede ainda não, por isso temos que dizer como ser na rede. Se o sujeito não gerenciar a si próprio, ele não faz um curso a distância”, explicou Maria Alice. Algumas das diferenças são troca dos livros pelos PDFs e da discussão em grupo pelo fórum. Ela diz ainda que muitos alunos acabam não assimilando os fóruns como um local de debate e ensino, e sim como uma rede social.

Matéria - Yvonne Mascarenhas
Yvonne Mascarenhas levantou a questão da massificação do ensino a distância

Apesar do crescimento das EaDs no Brasil – apenas na Univesp houve aumento de 2,1 mil alunos para 18 mil entre o primeiro e o segundo semestre de 2017 –, Marcos Formiga, professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-vice-presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), ressaltou que o Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes sem uma universidade aberta. Segundo ele, na comunidade europeia há equilíbrio entre presencial e digital, enquanto na Ásia já existe um predomínio dos alunos da educação digital.

Outra questão polêmica que envolve a EaD e que foi levantada pela professora honorária do IEA, Yvonne Mascarenhas, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, é a perda de qualidade da formação devido à massificação dos cursos a distância. “Quanto a chamar de massificação, eu acho que traz um modo pejorativo de lidar. A qualidade [do ensino a distância] já tem sido pesquisada e os números dizem que tanto faz a modalidade que você estuda, o resultado pode ser o mesmo”, frisou Maria Alice.

Metacognição

Matéria - Chao Lung Wen
Chao Lung Wen: "O melhor aprendizado é aquele em que se aprende a aprender mais e de forma significativa"

Com a presença cada vez maior de tecnologia, os papéis no aprendizado vão se alterando. Uma das formas possíveis de ser explorada é a metacognição. John Flavell, da Stanford University, definiu, nos anos 70, a metacognição como o conhecimento que as pessoas têm sobre seus próprios processos cognitivos e a habilidade de controlar esses processos, monitorando-os e modificando-os para realizar seus objetivos.

"Costumo dizer que a melhor metacognição que vi, em exemplos práticos, foi na missão Apollo 13, com a falha na ida pra lua e o desenvolvimento de soluções tão originais. É o processo no qual se usa seus conhecimentos e desenvolve novas soluções", comentou Chao Lung Wen.

A missão, que pretendia pousar na lua, não concluiu o objetivo devido a um acidente durante o trajeto. Uma explosão no compartimento de equipamentos e sistemas de suporte impediu a descida na lua e colocou em risco a vida dos tripulantes. Mesmo assim, após seis dias no espaço, os tripulantes retornaram com vida à Terra.

Na aula de Telemedicina, Lung Wen aplica o que ele chama de “educação interativa 4.0 metacognitiva”, cujo aprendizado é baseado nas soluções de problemas – o 4.0 se refere a 4ª revolução industrial, marcada principalmente pelo digital.

Na disciplina os alunos também têm que dar aula, com 15 dias para se preparar e acrescentando mais 20% de conteúdo extra a ser ensinado, além do que o professor já disponibilizou. A ideia é evitar que a aula seja apenas um resumo. "A responsabilidade de ter que ensinar aos outros aquilo que foi aprendido faz com que o estudante preste mais atenção, pesquise e formule estratégias didáticas, o que melhora a aprendizagem", explicou Lung Wen.

Para ele, "o melhor aprendizado é aquele em que se aprende a aprender mais e de forma significativa", o que envolve também a frequente revisão dos conteúdos: "se um conteúdo não for revisado, é bem provável que sua mente esqueça 90% dele em uma semana. É o mesmo que dizer que apenas 10% do conteúdo será memorizado no longo prazo".

A disciplina de Telemedicina também desenvolve o programa Jovem Doutor, que trabalha com a ideia de metacognição. O programa “é uma atividade multiprofissional, com o propósito de incentivar os estudantes dos ensinos médio e superior a realizarem trabalhos cooperados que promovam a saúde e melhorem a qualidade de vida de comunidades necessitadas através de uma ação sustentada”.

“Em uma população de crianças humildes, não há muito o que fazer fora da sala de aula. O que elas adoram? Serem úteis. Elas vão ao Jovem Doutor para isso”. Como parte da metacognição, os alunos podem aplicar na prática os conhecimentos obtidos em sala de aula, sob a orientação dos professores. Podem aprender e praticar sobre assuntos importantes para as comunidades onde vivem, tais como a preservação de ecossistemas e mananciais de água, e até mesmo reciclagem de lixo.

Fotos: Matheus Araújo / IEA-USP
Matheus Araújo / IEA-USP
Fernanda Cunha / IEA-USP