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Seminário aponta exagero nas expectativas quanto ao legado da Olimpíada

por Mauro Bellesa - publicado 09/08/2017 13:05 - última modificação 11/08/2017 16:14

Seminário "Um Ano Depois: O Que Restou dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro", realizado no dia 7 de agosto, foi organizado por Katia Rubio, professora em ano sabático no IEA.
Um Ano Depois: O Que Restou dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro
Expositores discutiram os resultados dos Jogos Olímpicos para o Rio de Janeiro e o país

Apesar do êxito esportivo e organizacional, os resultados da Olimpíada do Rio de Janeiro em benefício da cidade e do próprio país não são tão palpáveis como esperava a sociedade brasileira. De acordo com os participantes do seminário Um Ano Depois: O Que Restou dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, realizado no dia 7 de agosto, essa relativa frustração deve-se, em parte, às expectativas exageradas estimuladas antes dos jogos e à falsa concepção de que eles poderiam ser uma panaceia para problemas estruturais da sociedade brasileira.

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Organizado e coordenado pela professora Katia Rubio, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP e participante do Programa Ano Sabático no IEA, o encontrou teve como expositores um gestor ligado à organização dos jogos e três acadêmicos, sendo um deles também atleta participante da Olimpíada.

Ricardo Leyser, ministro interino do Esporte durante a Olimpíada e vice-presidente da Empresa Olímpica Municipal do Rio de Janeiro, falou a partir do ponto de vista dos dirigentes governamentais que prepararam a candidatura do Rio de Janeiro e que planejaram os jogos. Bárbara Schausteck de Almeida, do Centro Universitário Internacional (Uninter), apresentou dados, argumentos e conclusões de suas pesquisas sobre os jogos; o economista e sociólogo André Viana, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, comentou a dificuldades e perspectivas para estudos sobre os impactos dos jogos. Juliano Fiori, integrante da seleção brasileira de rúgbi que disputou os jogos e pesquisador de relações internacionais na UFRJ, falou dos interesses que envolveram os atletas e do contexto político, econômico e social dos jogos.

Ricardo Leyser - 7/8/2017
Ricardo Leyser

Panaceia

Para Leyser, não é possível fazer uma análise do legado sem considerar as mudanças no contexto político. A crise econômica e a mudança de governo levaram à ruptura do planejamento inicial, em sua opinião. Além disso, ressalvou que é preciso considerar que “os Jogos Olímpicos não são uma panaceia para resolver problemas há séculos existentes no país”.

Ele considera que não é viável pensar em legado que não seja em relação ao esporte: “A cidade possui seu plano diretor, políticas públicas específicas; procura-se integrar a esse quadro o legado planejado dos jogos”. Um exemplo disso, segundo ele, foi inserir instalações olímpicas em cenários de grande atrativo para o público como forma de promover o turismo no Rio de Janeiro.

Os "Cadernos de Legados", produzidos pelo governo federal, definiram ganhos a serem atingidos em seis áreas, segundo Leyser: urbana, ambiental, social, promocional do país, esportiva e do conhecimento (por exemplo, capacitação de empresas para a construção de pistas, piscinas e outros equipamentos).

Como legados projetados bem-sucedidos, ele relaciona as instalações portuárias, o transporte público (extensão do metrô até a Barra da Tijuca, corredores de ônibus, o veículo leve sobre trilhos), a constituição da Rede Nacional de Treinamento, com centros construídos em vários estados, e a obtenção de conhecimento, que "capacita o país a organizar qualquer megaevento".

Os aspectos que ficaram aquém do previsto foram, de acordo com ele: a promoção internacional do país, prejudicada em razão da "involução das condições políticas e econômicas"; o legado social, "com algumas boas experiências, como o Ginásio Experimental Olímpico, mas com escala limitada"; o saneamento da Baía da Guanabara e do Complexo Lagunar da Barra da Tijuca.

Bárbara Schausteck de Almeida - 7/8/2017
Bárbara Schausteck de Almeida

Bárbara concordou com a visão de Leyser de que os Jogos Olímpicos não deviam ser vistos como uma panaceia . “Os jogos não mudam a história, podem trazer pontos positivos, mas não mudam o que foi consolidado ao longo de séculos.”

Frustração

Para ela, um certo sentimento de frustração em relação ao que restou da Olimpíada deve-se ao fato de que todos esperavam muito dela. “Havia muitas expectativas, tanto por ingenuidade quanto por interesses, pois falar em muitas vantagens era uma forma de conseguir maior apoio. E a mídia criou uma expectativa que os jogos resolveriam tudo.”

Os fatores valorizados pelo governo eram, segundo ela, o ineditismo dos jogos na América do Sul, a oportunidade de divulgação internacional do país, a contribuição às transformações já em andamento - como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) -, possibilidade de amplo alcance entre os jovens e o fator de ser uma experiência festiva.

Por outro lado, o Comitê Olímpico Internacional (COI) tinha alguns desafios a enfrentar em relação aos jogos, entre os quais o desinteresse dos jovens brasileiros por esportes olímpicos tradicionais, a novidade geográfica (América do Sul) e a rejeição por parte do público das cidades que perderam a disputa.

Excluídos

Entre os impactos negativos dos jogos, Bárbara citou o fato de 6.606 famílias terem sido afetadas, com 4.120 sendo removidas das áreas que habitavam, entre elas, moradores da Vila Autódrómo, próxima ao local onde foi construído o Centro de Imprensa dos jogos.

Segundo ela, há problemas inerentes a realização de um evento desse porte: “Sempre acontecem problemas nos Jogos Olímpicos. Eles demandam investimentos necessários e outros não tão importantes, mas vinculados a interesses. Sempre há grupos beneficiados e outros que são excluídos”.

Juliano Fiori - 7/8/2017
Juliano Fiori

Fiori deu seu depoimento como atleta e como observador do contexto de realização dos jogos. Ele disse que a delegação brasileira, quando se preparava para entrar no Maracanã na cerimônia de abertura dos jogos, entoou um grito de guerra que dizia “o Maracanã é nosso”. Na opinião de Fiori, o estádio já não era de todos, “era um bem privado do qual éramos ocupantes temporários; éramos embaixadores, vendedores das pessoas que detinham o Maracanã”.

“Aquilo era o espetáculo do espetáculo. Quando o espetáculo desaparece, a realidade já não é discernível. Agora é uma realidade mais bruta, descarada. Todas as contradições mascaradas agora são palpáveis, vívidas e agudas.”

Ele destacou o consumismo presente até entre os atletas, que receberam muitos brindes, inclusive roupas, celulares e câmeras fotográficas. “Cada vez que recebíamos algo queríamos mais. Um consumismo contrastante com as condições dos trabalhadores da Vila Olímpica, vindos da periferia da cidade.”

“A maioria dos atletas evanesceu, já não são objeto das câmeras de TV, tiveram seus patrocínios cortados. Enquanto isso, os moradores da Vila Autódromo que resistiram em sair continuam lá”.

Estrutura

Fiori afirmou que a estrutura esportiva foi ótima, mas havia questionamentos sobre como seria o acesso dos atletas a elas depois dos jogos, como seria resolvido o caso de estruturas populares que foram destruídas, o que resultaria do Parque Deodoro, encravado numa das áreas mais pobres da cidade. "Um ano depois é difícil ver qual será o legado disso, talvez seja muito cedo."

O legado para a área esportiva possui muitas dimensões, segundo ele, que considera a criação da Rede Nacional de Treinamento, “apesar de ser difícil ver onde está a conexão entre a prática esportiva na base e aquela de alto rendimento”.

Em termos de segurança, ele destacou a presença de muitos militares nas cercanias das instalações olímpicas e nos pontos turísticos, “com o objetivo de mostrar às pessoas que elas estavam seguras e isso funcionou, mas na periferia 31 pessoas foram mortas e mais de 50 ficaram feridas.” Para ele, a participação de militares na segurança durante os jogos contribuiu para uma naturalização da presença de soldados na cidade, “agora para espalhar o medo”.

Como exemplo do interesse político envolvido na organização dos jogos, ele comentou que o time de rúgbi e equipes de outros esportes foram convidadas (“talvez obrigados”) a participar de um evento de mídia no Palácio do Planalto. "Saímos às 6 da manhã de São Paulo e voltamos à meia-noite. Tudo isso para uma cerimônia de 10 minutos”.

Presidente interino à época, Michel Temer disse na cerimônia, segundo relato de Fiori: “Quando vocês ostentarem suas medalhas estaremos revelando um Brasil onde a democracia é estável, onde as coisas estão caminhando muito bem e as instituições funcionam”. “Um ano depois, ele continua no cargo e usa os jogos como parte da narrativa de um governo que fez as coisas certas", comentou o atleta e pesquisador.

“Para mim, praticar um esporte sempre tem um sentido político, não se trata apenas de acesso à estrutura, mas também as relações que surgem entre as pessoas. O atleta deve reconhecer o privilégio que é participar de uma Olimpíada, mas tem a responsabilidade de se conscientizar sobre essa participação.”

André Viana - 7/8/2017
André Viana

Avaliação

Em sua breve exposição, Viana disse que uma das dificuldades iniciais para a elaboração de um documento sobre os impactos dos jogos é a dificuldade para a obtenção de dados de outras Olimpíadas. “Os dados dos jogos de Atenas desapareceram da internet e só recentemente surgiu um estudo do instituto grego similar ao Ipea.”

Ele disse que a alternância de poder nos países leva a que um grupo trabalhe para ganhar a disputa entre cidades e outro, depois, a tentar montar o planejamento, acontecendo inclusive que o primeiro grupo volte a cuidar dos jogos um ano antes de sua realização.

“No Brasil, o grupo da candidatura permaneceu como responsável até três meses antes dos jogos. Por isso não se pode dizer que a Olimpíada foi um feito do governo Temer. Tudo tinha sido feito antes.”

O ciclo olímpico brasileiro ainda não terminou o ciclo olímpico brasileiro, afirmou o pesquisador. "Vai até 2018, pois faz parte do processo a prestação de contas, e tudo indica que o Ministério do Esporte não vai tocar esse trabalho”.

Em razão disso, “as pessoas preocupadas em fazer a avaliação dos jogos começaram a se mexer", disse Viana. "Um colega já fez um estudo e um grupo está analisando o ganho de produtividade em função da melhoria do transporte público instalado no Rio.”

A ideia de Viana é estabelecer parcerias com outras instituições de pesquisa para terminar o trabalho de avaliação. “Dentro de um ano teremos uma bela publicação. Será uma reflexão do setor público sobre o que ganhamos e o que deixamos de fazer.”

Esporte na base

No debate, Leyser comentou que o Brasil sempre imaginou que o esporte deveria ser consolidado no país a partir da base, "mas nunca conseguimos nem visibilidade para ações desse tipo nem recursos suficientes". A seu ver, nunca houve apoio da mídia, do governo e da própria sociedade para isso. "Se consultada, a população não pede esporte, mas sim saúde, educação, transporte e segurança.

Em sua opinião, os jogos permitiram que fosse feito o caminho contrário: partir do topo da pirâmide (esporte de alto desempenho) para chegar ao investimento de base. "Não conseguimos universalizar o acesso, mas conseguimos transformar as condições para quem pratica esporte, com a melhoria da infraestrutura em clubes, instalações militares e universidades."

Quanto a mudanças na prática de esporte no ensino fundamental - onde predomina a monocultura do futebol -, em razão da visibilidade que outras modalidades tiveram durante os jogos, Leyser disse que a escola também não é uma panaceia para os problemas do esporte: "Ela prepara mal os alunos em termos de língua portuguesa e queremos que ela produza pessoas com práticas esportivas de qualidade."

Para ele, essa questão tem de ser resolvida pelos dirigentes educacionais. "Os professores são resistentes ao esporte formalizado na escola e vão dizer que, se não há biblioteca, se não há laboratório, não têm de resolver o problema de não haver uma quadra esportiva na escola. Não consideram o fato de a prática esportiva ajudar na concentração, interação e diminuição da violência, entre outros aspectos."

Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP