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Debate aponta dificuldades e propostas para o desenvolvimento em CT&I

por Mauro Bellesa - publicado 26/09/2018 11:50 - última modificação 17/10/2018 10:31

O terceiro encontro do ciclo "Eleições 2018: Propostas para o Brasil", no dia 17 de setembro, discutiu as prioridades do país na área de ciência, tecnologia e inovação, com exposições de Fernanda De Nigri, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp.
Fernanda De Nigri, Mario Salerno e Carlos Américo Pacheco - 17/9/2018
A partir da esq., Fernanda De Negri, Mario Salerno e Carlos Américo Pacheco durante o debate sobre propostas para CT&I

Convencer a sociedade da importância do investimento em CT&I, eleger prioridades e melhorar as condições de formação de pessoal, estrutura e ambiente para a área foram as principais diretrizes enfatizadas no terceiro seminário do ciclo Eleições 2018: Propostas para o Brasil, realizado no dia 17 de setembro.

Os debatedores foram o engenheiro Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp, e a economista Fernanda De Negri, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A moderação foi de Mario Salerno, coordenador-geral do Observatório da Inovação e Competitividade (OIC), sediado no IEA.

Segundo Fernanda, é preciso gente qualificada, estrutura e um ambiente que estimule a inovação, "além de políticas públicas para tudo isso”. O aumento da escolaridade da população não foi acompanhado por uma melhoria na qualidade do ensino, disse a economista. “As notas do país continuam baixas no Pisa [avaliação da educação no mundo elaborada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)] e no Saeb [Sistema de Avaliação da Educação Básica operado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)].

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Ela comentou que 55% dos brasileiros adultos não sabem fazer uma média simples e são formados poucos engenheiros e cientistas, com reduzida demanda desses profissionais pelas empresas, “que investem pouco em inovação”, e pelas universidades públicas, alternativa que sobra para muitos deles.

Ao contrário do que ocorre em muitos países, a universidade brasileira é pouco internacionalizada, recebe poucos estrangeiros e envia poucos brasileiros ao exterior, afirmou.

“Há pouca mobilidade interna também: 45% dos pesquisadores trabalham dentro de um raio de 10 km de onde se formaram. Uma pesquisa com quase mil profissionais de alguns departamentos acadêmicos demonstrou que 77% se formaram na mesma instituição em que são docentes. Portanto, falta diversidade no ambiente de pesquisa.”

Em relação à estrutura, o problema é de escala, em sua opinião. Ela informou que um questionário aplicado em 2013 pelo Ipea em 1,8 mil laboratórios de universidade e outras instituições de pesquisa concluiu que a infraestrutura é razoavelmente atualizada (“resultados de recursos investidos em anos anteriores”), mas atende a laboratórios de pequeno porte, com média de quatro pesquisadores. "Há poucos laboratórios de grande porte no País."

No mundo inteiro, a pesquisa de ponta não é mais desenvolvida apenas em universidades, mas também em entidades privadas sem fins lucrativos, afirmou.

Fernanda De Nigri - 17/9/18
Fernanda De Negri: "É preciso gente qualificada, estrutura e ambiente que estimule a inovação"

"Quem faz inovação são as empresas e elas precisam de um ambiente que as estimule e que torne necessária a inovação", disse Fernanda. Esse ambiente precisa ser de competitividade, o que é prejudicado, segundo ela, pelo fato de o Brasil ter uma economia muito fechada, tanto em termos de comércio quanto na migração de profissionais.

De acordo com Fernanda, outras dificuldades são: exigência de capital elevado a custo também elevado; pouco investimento em capital de risco; ambiente muito rígido e burocratizado, com muitas dificuldades para abrir uma empresa; carência de políticas públicas; e falta de estabilidade nos financiamentos.

Ela comentou que as empresas investem mais em CT&I nos EUA, mas há muito investimento governamental nas pesquisas das universidades americanas. "A diferença é que lá há vários ministérios envolvidos nesse financiamento, não só a área de CT&I."

Para ela, é preciso diversificar o modelo brasileiro e fortalecer as universidades e quem está fora delas. "Os investimentos precisam ter uma gestão eficiente e as organizações sociais [entidades privadas sem fins lucrativos responsáveis pela gestão de instituições de pesquisa] precisam ser aprimoradas."

Ela defendeu também a criação de alternativas de receita, como endowments [fundos patrimoniais constituídos por doações], e o estímulo à diversificação e internacionalização das universidades.

Em termos de melhoria das condições institucionais e sistêmicas para a inovação, Fernanda defende que seja promovida a integração às cadeias globais de valor, redução do custo de capital, redução da burocracia e melhoria do ambiente de negócios, a começar por uma reforma tributária.

Além disso, é preciso aprimorar as políticas públicas, pois "não se avalia nenhuma política, muito menos as de CT&I", e dar um sentido estratégico à área, afirmou.

Pacheco disse concordar com o diagnóstico feito por Fernanda, mas ressaltou que, diante do prolongamento previsto para a crise fiscal, a questão básica "é explicar à sociedade o que pretendemos entregar a ela a partir do investimento em CT&I". Para ele, qualquer reforma vai pressupor a capacidade de fazer isso.

Segundo Pacheco, quando os fundos setoriais foram criados, a ideia era aproximar a agenda do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTI) dos centros de decisão e econômicos, “mas essa conexão setorial se perdeu”.

Outra questão crítica, de acordo com ele, é enfatizar a relação entre inovação, competitividade e produtividade. "As PPPs [parcerias público-privadas] talvez sejam a única interface razoável da CT&I com a área econômica do governo federal."

"Se não conseguirmos explicar os ganhos, dificilmente teremos as formas de financiamento necessárias. A principal tarefa é reestruturar o financiamento. A reforma será uma questão financeira e institucional."

Para ele, o caráter transversal da CT&I torna difícil definir o que é mais prioritário. Além disso há problemas estruturais: "Há a oportunidade de uso das tecnologias digitais na área pública e vem pela frente o uso da inteligência artificial nas empresas, mas temos pouco cientistas de dados e de inteligência artificial. O grande gargalo será a falta de gente".

Carlos Américo Pacheco - 17/9/18
Carlos Américo Pacheco: "A questão básica é explicar à sociedade o que pretendemos entregar a ela a partir do investimento em CT&I"

Ele citou as oportunidades de desenvolvimento de inovação que precisam ser modeladas nos próximos anos na agropecuária, indústria 4.0, manufatura avançada e saúde. "É preciso ter uma agenda promissora que navegue uma onda. Os governos que nadam contra a maré dificilmente têm sucesso em suas políticas."

Pacheco também criticou a falta de coordenação para as inúmeras iniciativas de apoio às startups. "O mais impressionante não são as iniciativas públicas nessa área, mas ela estar impregnada de um conjunto de iniciativas privadas." O apoio as startups será um dos caminhos para aumentar a produtividades das grandes empresas brasileiras, segundo ele.

No debate com os expositores, o sociólogo Glauco Arbix, integrante do OIC e ex-presidente do Ipea e da Finep. afirmou que o problema do Brasil não é estimular a pesquisa básica e a universidade, mas "o atraso cada vez maior" quando se fala de pesquisa em inovação. "Estamos totalmente por fora das tendências internacionais. Nos contentamos em ser seguidores, com exceções na agricultura e em algumas outras áreas."

Para Arbix, "as contas não vão fechar, pois não haverá investimento sistemático estável para CT&I, que não estará entre as prioridades do país seja qual for o próximo governo".

Em resposta a Arbix, Fernanda disse que não é um problema incentivar a pesquisa básica e que o importante é construir a longo prazo o ambiente para a pesquisa fora das universidades, que só avançarão, em sua opinião se forem adotados modelos complementares de gestão ao que vigora atualmente.

Para Pacheco, "é uma solução péssima" o tratamento igualitário a todas as universidades: "Política de CT&I é obrigatoriamente seletiva, mas para aplicar isso seria preciso superar o direito universal às mesmas coisas existente no Brasil".

Concordando com Arbix, Pacheco disse que a prioridade deve ser dada à inovação, mas com os fundos financiando toda a cadeia do conhecimento (pesquisas básica e aplicada e inovação), que seria mobilizada pelas demandas da sociedade.

No pós-guerra houve uma política fortemente baseada na oferta, "com a ideia de que várias coisas precisavam de financiamento público”, comentou. “Boa parte do desenvolvimento brasileiro foi baseado na oferta. A guinada pela demanda ocorreu a partir dos anos 80.” Ele considera que os dois caminhos são relevantes e que o debate sobre a questão, “apesar de antigo, ainda é útil no caso brasileiro”.

Presente na plateia, o reitor da Universidade Federal do ABC, Dácio Matheus, apontou as transformações nas grandes cidades como geradoras de demandas fundamentais para a agenda da inovação. A exemplo de Pacheco, enfatizou a escolha de prioridades a serem apresentadas à sociedade para exemplificar as vantagens do investimento em CT&I.

Respondendo a pergunta de Mario Salerno sobre o que pode ser feito de imediato para equacionar o financiamento da inovação em médio prazo, Pacheco disse que o primeiro passo é fazer uma reengenharia do MCTI, com a criação de uma câmara de inovação. “Outra necessidade é criar uma agência de inovação ligada à Presidência da República, que deve ser a instância de decisão sobre a área.” No entanto, essas coisas dependem, como dissera antes, de “convencer a sociedade de que a agenda de inovação é relevante para o país”.

Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP