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Especialistas apontam mudanças para que gestão pública atinja novo patamar

por Mauro Bellesa - publicado 01/10/2018 14:10 - última modificação 17/10/2018 10:18

"Gestão Pública" foi o tema do quarto seminário do ciclo "Eleições 2018: Propostas para o Brasil", realizado no dia 20 de setembro, na sede do IEA
Evelyn Levy, Fernando Luiz Abrucio e Humberto Falcão Martins - 20/9/18
A partir da esq., Evelyn Levy, Fernando Luiz Abrucio (moderador) e Humberto Falcão Martins durante o seminário sobre propostas para a gestão pública

Em seu cotidiano, os brasileiros se defrontam com frequência com a precariedade de vários serviços públicos, apesar da arrecadação tributária. É fato que há também ilhas de excelência e muitos profissionais capacitados e dedicados. A questão que se impõe é como atender às necessidades atuais da população e como preparar a gestão pública para o crescimento da demanda por mais e melhores serviços prestados pelo Estado.

Essa foi a discussão do quarto seminário do ciclo "Eleições 2018: Propostas para o Brasil", no dia 20 de setembro, na sede do IEA.

O expositores foram dois ex-secretários nacionais de Gestão: a consultora Evelyn Levy, especialista em gestão pública atuante em organismos internacionais, e o professor Humberto Falcão Martins, da Escola Brasileira de Administração Pública  (Ebape) da FGV. A mediação foi de Fernando Luiz Abrucio, também professor da Ebape-FGV.

Evelyn e Martins apresentaram as conclusões do documento “Um Novo Patamar para a Gestão Pública Brasileira”, escrito por ambos e mais 15 especialistas da área e lançado em agosto. Segundo Evelyn, o trabalho foi produzido em virtude da preocupação com o fato de “a gestão pública ser tratada de forma simples às vezes e até de forma simplista em outras ocasiões”.

Segundo ela, há muitos problemas na gestão pública do país, apesar dos grandes investimentos na área nas últimas décadas. "Estamos procurando caminhos para que evolução no setor seja mais rápida."

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Ela disse que é preciso planejar a força de trabalho para o futuro do país. "A otimização dessa força está sendo impedida pela fragmentação das carreiras dos servidores no governo federal. É preciso coordenar a remuneração dos servidores, pois, em razão do corporativismo, o governo ficou refém dessas carreiras."

A criação de comitês com representação da sociedade civil para supervisionar as despesas com pessoal é uma das propostas do grupo, para que haja um aumento da produtividade com a introdução de avaliações de desempenho e gestão por resultados. "Mas é preciso que saibamos o que desejamos do servidor."

Evelyn Levy - 20/9/18
Evelyn Levy: "É preciso criar um ambiente favorável e incentivar a inovação e o empreendedorismo"

Evelyn disse que é preciso criar um ambiente favorável e incentivar a inovação e o empreendedorismo. “Por estarmos imersos num ambiente muito burocrático, a tendência à inovação e a assumir riscos diminuiu.” Defendeu ainda o aperfeiçoamento dos concursos públicos e do estágio probatório.

Em termos de março legal, afirmou que seria importante voltar à ideia do emprego público (sem estabilidade). "Seria a forma adequada para a prestação de serviço." Para ela, é preciso também implantar processos seletivos para dirigentes públicos.

Martins tratou dos resultados e estruturas da gestão pública. Frisou que a relação entre o que é arrecadado em tributos e o que é oferecido de serviços públicos e muito ruim. "O Brasil é um dos piores países em termos de serviços entregues à sociedade”. De acordo com ele, o índice de governança global do Banco Mundial coloca o Brasil bastante atrás dos países da OCDE “e a situação está piorando”.

Levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) indica que 97% das organizações públicas federais não possuem capacidade mínima para entregar os serviços esperados pelo cidadão, segundo Martins. "Ou seja, temos uma administração públicas profundamente ruim. E se compararmos 2014 a 2017, a constatação é que piorou a governança pública.” Entre outras deficiências, o trabalho do TCU aponta que não existe governança de pessoas em 58% das instituições, mesmo percentual daquelas em que inexiste a preocupação com resultados, completou Martins.

"Durante os últimos 20 anos estivemos batendo cabeças sobre o que fazer com instituições como museus e orquestras. No Museu Nacional, os servidores impediram a introdução de um modelo melhor."

O pesquisador afirmou que há estados em que 80% da arrecadação destina-se ao pagamento dos servidores ativos e aposentadorias.  Apesar disso e de que não poderão contratar servidores, “não estão discutindo novos modelos de parceria.”

Para ele, é preciso mudar a cultura de planejamento para uma cultura de gestão de resultados e estabelecer perspectivas para longo prazo, “visão que foi perdida ao longo do processo de redemocratização”.

Outro aspecto mencionado por Martins é a necessidade de pactuar os resultados a serem atingidos pelo governo. Ele defende que haja cuidado na concessão de incentivos financeiros desatrelados de obtenção de resultados. "Não dá para chegar no nível individual, mas dá para chegar no nível da unidade governamental".

Ele defendeu o estabelecimento de estruturas de governos que favoreçam a obtenção de resultados. "A intenção não é enxugar o Estado e chegar a seu mínimo: é de melhorar o seu desenho."

Humberto Falcão Martins - 20/9/18
Humberto Falcão Martins: "A cultura de planejamento deve ser mudada para uma cultura de gestão de resultados"

De acordo Martins, “apesar de custar muito”, a Administração Federal é relativamente pequena se comparada à de outros países, “"São cerca de 600 organizações. Há sinais de inchaço, lacunas e omissões e sinais evidentes de deformações."

A adoção de modelos mais interessantes de compartilhamento ou centralização, de acordo com a conveniência de serviços administrativos, é uma das mudanças possíveis: "Há ministério com mais de 400 servidores no setor de recursos humanos."

Há também um “entulho burocrático de regras que precisam passar por revisão urgente”, afirmou. “Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter regulado as organizações sociais, o processo de facilitação de parcerias ainda possui poucos critérios.”

Presente na plateia, o secretário de Inovação e Tecnologia da Informação da Prefeitura de São Paulo, Daniel Annenberg, falou sobre a importância do governo eletrônico para a redução da burocracia e sobre a possibilidade se o indivíduo ser visto como um cidadão único ("Ainda o vemos de modo muito setorial").

Para o moderador do encontro, Fernando Luz Abrucio, quando se fala de reforma do Estado pensa-se sobretudo na dimensão econômica, que é extremamente importante diante da dívida pública, despesas com a Previdência e outros fatores. No entanto, "apesar da importância da reforma em relação às despesas, as políticas públicas têm de chegar com qualidade na população”, disse. “É preciso juntar a dimensão econômica à dimensão do desempenho."

Para o cidadão médio, “gestão pública é o que acontece na escola, na delegacia”, comentou Abrucio. "Quem implementa políticas públicas são estados e municípios, que precisam ter sua capacidade de atuação ampliada. Até 2022, 50% dos professores estaduais de ensino básico vão se aposentar e não haverá outros para substituí-los. Defendeu a melhor articulação entre municípios e entre estes e seus estados. Temos de melhorar o federalismo para melhorar a gestão pública.”

Outro aspecto ressaltado por ele é a questão do controle. "O Brasil está ficando inviável, pois criamos um sistema no qual, ao contrário do que ocorre no resto do mundo, o controle é definido posteriormente. Criamos uma bolha que se retroalimenta de controle. Acho que isso não vai dar certo."

Fernando Luiz Abrucio - 20/9/18
Fernando Luiz Abrucio: "As elites precisam descobrir que o serviço público deve servir ao público"

O direito administrativo atual é o contrário de que tudo que precisa ser feito, afirmou Abrucio. "Há uma concepção cultural do que seja o serviço público e não se quer que ele mude."

As elites do país têm muita responsabilidade pelo populismo em voga no Brasil, de acordo com Abrucio”. “Elas precisam descobrir que o serviço público deve servir ao público.”

Presente na assistência, Sidney Estanislau Beraldo, conselheiro do Tribunal de Consta do Estado de São Paulo, disse que a questão da gestão não é prioridade e não faz parte da agenda dos candidatos à Presidência. Para ele, não é possível reduzir os cargos comissionados sem uma reforma política que reduza os números de partidos.

Para o professor visitante do IEA Luiz Bevilacqua, "não somos essa miséria toda" apresentada pelos expositores. Ele perguntou sobre as conquistas em gestão do país.

Evelyn respondeu que quer ser otimista. "O documento retrata a experiência do grupo que o produziu. O que nos moveu foi a visão caricata que a sociedade tem do serviço público". Para ela, há muitas pessoas qualificadas no serviço público, prêmios de inovação e boas experiência que se disseminam.

O sociólogo Glauco Arbix, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e integrante do Observatório da Inovação e Competitividade (OIC) do IEA, quis saber se há como resolver o problema da gestão sem ficar apenas em seu âmbito. "O problema do Estado brasileiro é um problema de gestão é errado. O problema é todo o resto também, inclusive a falta de liderança."

Para Martins, há muitas dimensões, como a jurídica, envolvidas na questão da gestão pública. Ele concorda que o Estado vem se transformando e que existem experiências boas, mas há problemas profundos a serem tratados. "O documento procurou se posicionar nas áreas finalísticas de gestão pública, na entrega final feita aos cidadãos."

"É importante ter uma visão ideal, para perseguir o possível do ideal. Só fazer o que é possível é mediocridade."

Segundo ele, há um consenso sobre o fim da estabilidade em termos gerais para o funcionalismo, mas até agora não se fez a regulamentação da emenda que estabeleceu isso. "Há uma grande probabilidade de nos próximos anos os governos pressionarem por essa regulamentação." Para ele, outro exemplo de mudança é a possibilidade de parceria com a iniciativa privada na educação, algo que já tem "uma trajetória segura na saúde".

“O brasileiro médio é alguém que no máximo completou o ensino fundamental; daqui a alguns anos será um brasileiro diferente, que cobrará mais dos serviços públicos”, disse Abrucio.

“Estamos criando uma expectativa de mudança total. Mesmos nossas ilhas de excelência terão de melhorar. Melhoramos muitos nos últimos anos; o problema é o retrocesso. O debate atual é que as melhorias ocorridas estão sendo jogadas no lixo."

Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP