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Saúde, nutrição e cidades são os temas da revista Estudos Avançados 109

por Mauro Bellesa - publicado 23/10/2023 10:20 - última modificação 25/10/2023 14:02

A edição 109 da revista Estudos Avançados, lançada em outubro, traz os dossiês "Promoção da Saúde", "Segurança Alimentar" e "Cidades e Tecnologias".

Capa de 'Estudos Avançados' 109

Os três dossiês da edição 109 de Estudos Avançados, lançada este mês, mantêm a tradição da revista em "abordar temas de relevância social e de inquestionável atualidade, aliando a comunicação de resultados de pesquisa ao debate público", nas palavras de seu editor, Sérgio Adorno. Os temas desta vez são "Promoção da Saúde", "Segurança Alimentar" e "Cidades e Tecnologias". A intenção, como sempre, é colaborar com a "formulação e implementação de políticas governamentais voltadas para a superação de problemas que afetam a qualidade de vida e para redução das desigualdades sociais".

A interdisciplinaridade das análises é demonstrada logo no artigo de abertura do dossiê “Promoção da Saúde”, intitulado “Saúde Cardiovascular e Habitação: Um Diálogo Importante Travado nos Assentamentos Precários de São Paulo”. De autoria de especialistas em geografia, urbanismo e patologia, o estudo analisou dados de moradores da cidade de São Paulo que morreram, de 2010 a 2016, por doenças do aparelho circulatório ou foram internados (pelo SUS), de 2011 a 2016, pelas mesmas doenças. Foram considerados o tipo de assentamento de moradia dos indivíduos (aglomerado subnormal, precário ou regular), idade e sexo.

A diferença da saúde cardiovascular entre os três tipos de assentamentos, avaliada por meio das proporções de internações hospitalares e pelas taxas de mortalidade, evidencia que quase 1,7 milhão de pessoas em São Paulo estão em grande desvantagem em relação aos restantes 85% da população.

Apesar de a habitação precária ser “a causa ou um fator determinante de muitas patologias físicas e mentais”, outro estudo do dossiê demonstra que “o marco legal da saúde no Brasil restringe ou mesmo proíbe o uso de recursos da saúde em questões habitacionais, delimita a composição das equipes de saúde a profissões médico-hospitalares, bem como não considera o uso de recursos de outras funções orçamentárias na provisão habitacional para fins específicos de saúde”.

Tais delimitações deveriam ser removidas em situações em que houver evidência científica de que a questão habitacional seja um determinante social da saúde, recomenda o artigo “Por Que o Investimento e Foco em Questões Habitacionais É também uma Medida de Saúde”.

Vulnerabilidade

Há de se considerar também o quadro de múltiplas vulnerabilidades dos territórios periféricos, o que torna a intervenção nesses espaços um desafio que precisa ser encarado a partir da lógica dos problemas complexos, pois “não dispõem de uma solução única e linear para a sua superação”, alerta um terceiro estudo. Baseando-se em trabalhos desenvolvidos pela Fundação Tide Setubal na periferia de São Miguel Paulista, na cidade de São Paulo, o artigo “Intersetorialidade e Melhorias Urbanas em Territórios Periféricos: O Caso de São Miguel Paulista” propõe que a intersetorialidade seja promovida a partir do orçamento público, da mensuração de impacto e do protagonismo das comunidades.

O dossiê também apresenta um estudo sobre história das ideias quanto as condições para o desenvolvimento dos indivíduos. O artigo “Educação, Saúde e Progresso: Discursos sobre os Efeitos do Ambiente no Desenvolvimento da Criança (1930-1980)” mostra como no período estudado havia uma “forte associação entre a promoção do desenvolvimento dos indivíduos e o progresso social".

“Entendia-se que os investimentos públicos na criação de melhores condições de saúde e educação para as crianças favoreceria o avanço do país.” A escola era vista como “um ambiente propício ao desenvolvimento saudável e à civilização das crianças.”

Essa perspectiva de desenvolvimento transformou-se, quanto à saúde, em vulnerabilidade em muitas áreas periféricas onde o controle do território é exercido pelo crime organizado. A situação é exemplificada em estudo de unidade básica de saúde situada em área dominada pelo tráfico de drogas.

Baseado em diário de campo e entrevistas abertas com diferentes interlocutores do território de uma unidade de saúde periférica de um município de médio porte do estado de São Paulo, o trabalho apontou que, “diante da ausência ou insuficiência do Estado em territórios de vulnerabilidade social, o tráfico pode funcionar tanto como agente de precarização das relações de trabalho entre equipes de saúde e a comunidade quanto como provedor de mecanismos de suporte e proteção para a população, mediação e gerenciamento das relações cotidianas da população, incluindo sua relação com os equipamentos de saúde”.

Promoção da saúde

Mesmo diante de inúmeras vulnerabilidades sociais, é preciso encontrar meios para a promoção da saúde. Torna-se relevante, então, compreender as diferentes interpretações sobre a promoção da saúde, em que pese o fato de o campo estar passando por um processo de institucionalização e fortalecimento. Artigo de sanitaristas discute essas interpretações, cuja diversidade demonstra a necessidades de aprofundar alguns temas, como o papel do setor de saúde, a mudança comportamental e a abordagem individuais, afirmam os pesquisadores.

Em seu estudo, eles apresentam outras formas de compreensão destes temas, por meio da contribuição de trabalhadores, gestores da atenção básica e de especialistas na questão, de forma a "ampliar as possibilidades da prática da promoção da saúde na atenção básica".

A metodologia do trabalho incluiu a realização de entrevista semiestruturada com especialistas e consulta a gestores e trabalhadores municipais da atenção básica por meio do formulário eletrônico FormSUS. Foram entrevistados 13 especialistas, entre novembro de 2017 e fevereiro de 2018, do Grupo de Trabalho em Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável (GTPSDS) da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), "grupo que defende a atuação na determinação social e não se restringe aos fatores de risco e proteção das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)".

Outro estudo do dossiê analisou o impacto da implantação de ciclovias na cidade de São Paulo na prática de atividades físicas no lazer por um grupo 1.431 pessoas, moradoras no máximo a 1 km de ciclovias, e as correlações dessa prática com os índices de hipertensão arterial. O trabalho aponta a necessidade de melhoria das condições ambientais (implantação de ciclovias, por exemplo) nas áreas de maior carência socioeconômica da cidade, para maior oportunidade de prática de atividade física e a consequente redução nas taxas de hipertensão arterial e outras doenças crônicas.

Bem viver

A melhoria na qualidade de vida também é tema de outro artigo, que reúne a articula noções de bem viver em quatro matrizes principais: a das visões de mundo indígenas; a do pensamento utópico latino-americanista; a estatal; e a socioambiental. Segundo os autores, essas matrizes "guardam entre si aspectos convergentes, formando um núcleo comum emulador de novas propostas filosóficas, econômicas e políticas, enquanto alternativas ao modelo de vida, trabalho e relação com o ambiente produzido pelo capitalismo neoliberal".

A autonomia de pessoas em situação de curatela também é discutida no dossiê. Estudo de pesquisadores da área do direito examina a possibilidade de consentimento substitutivo no âmbito da saúde em casos de pessoas em situação de curatela, para averiguar se seria permitido ao representante legal de pessoas com deficiência decidir também sobre aspectos existenciais.

O dossiê se encerra com trabalho sobre a realidade socioambiental da implementação da logística reversa de medicamentos para minimizar a contaminação por fármacos, de maneira a atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável pertinente. O estudo destaca as ações de controle, monitoramento e educação ambiental para redução dos impactos dos resíduos farmacêuticos e promoção da sustentabilidade.

Nutrição

O primeiro artigo do dossiê “Segurança Alimentar” visa contribuir para a análise do cenário atual sobre insegurança alimentar no Brasil, a partir dos estudos feitos por dois grupos de pesquisa do IEA (Nutrição e Pobreza; Saúde Planetária) em parceria com o Eixo AgriBio do Centro de Inteligência Artificial (C4AI) da USP.

A contribuição da produção agrícola nas cidades para a melhoria desse cenário é explicitada em artigo sobre  os resultados do debate Agricultura Urbana e Segurança Alimentar e Nutricional: O Alimento Orgânico na Alimentação Escolar, ocorrido no 11º Seminário Serviço, Pesquisa e Política Pública. O evento foi organizado pelo Grupo de Pesquisa Nutrição e Pobreza e pelo Grupo de Estudos de Agricultura Urbana, também do IEA.

O conjunto de textos inclui a análise de projeto prático de cuidado em saúde e alimentar de famílias com crianças e adolescentes em situação de má nutrição. O trabalho tratou da “cadeia curta de produção-comercialização” de alimentos para a sustentação das ações de projeto envolvendo famílias com crianças e adolescentes atendidas pelo Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren).

Um tema recente do espectro de hábitos alimentares, o flexitarianismo, também está presente no dossiê, com um estudo sobre os fatores que levam os flexitarianos a diferentes níveis de redução no consumo de carne.

Urbanismo

Em 2009, por meio de uma lei municipal, foram estabelecidas estratégias de adaptação às mudanças climáticas e gestão de desastres na cidade de São Paulo. O artigo inicial do dossiê “Cidades e Tecnologias”, analisa a efetividade do quadro legal dessa política, sua articulação com outras normas relevantes e com o direito ambiental e como vem sendo construída sua governança.

As mudanças climáticas e outros fatores, como o El Niño, têm impacto direto na disponibilidade de água, como demonstra a atual seca que afeta diversos municípios na Amazônia, carentes de políticas e estrutura para enfrentar o problema. Daí a importância de os municípios terem maior participação no Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh), alertam os autores do artigo "A Governança das Águas no Brasil: Qual o Papel dos Municípios?".

Além de fraca participação no sistema, os pesquisadores indicam que, em geral, os municípios não possuem uma política sobre recursos hídricos. Outro problema, apontam, é o fato de as reformas legais incidentes sobre os recursos hídricos tenderem a fragilizar ainda mais o papel dos municípios no Singreh.

As soluções baseadas na natureza também estão presentes no dossiê, em artigo que trata da integração desse tipo de solução num projeto de revitalização de brownfield (área urbana subutilizada e degradada cuja transformação propicia benefícios à população).

O processo evolutivo das cidades é abordado em duas vertentes no dossiê: filosófica e tecnológica. Um artigo discute alguns conceitos criados pelo filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), como disciplina e biopoder, e os aplica à história do urbanismo brasileiro, especialmente nos casos do Rio de Janeiro e São Paulo. Outro texto examina as tecnologias que têm levado a uma revolução urbana, com o surgimento das cidades inteligentes, em função da proliferação de equipamentos eletrônicos conectados ininterruptamente, que permitem gerenciar a estrutura urbana de forma mais eficiente e otimizada, afirmam os autores.

Os exemplares impressos da edição 109 de Estudos Avançados estarão disponíveis em breve, ao preço de R$ 40,00. Os interessados em reservar um exemplar ou fazer uma assinatura anual da revista (três edições por R$ 100,00) devem enviar mensagem para estavan@usp.br.



Sumário

Promoção da Saúde

  • Saúde Cardiovascular e Habitação: Um Diálogo Importante Travado nos Assentamentos Precários de São Paulo - Ligia Vizeu Barrozo, Carlos Leite, Edson Amaro Jr. e Paulo Hilário Nascimento Saldiva
  • Por Que o Investimento e Foco em Questões Habitacionais É também uma Medida de Saúde - Eduardo Castelã Nascimento, Wesllay Carlos Ribeiro e Suzana Pasternak
  • Intersetorialidade e Melhorias Urbanas em Territórios Periféricos: O Caso de São Miguel Paulista - Mariana Almeida
  • Educação, Saúde e Progresso: Discursos sobre os Efeitos do Ambiente no Desenvolvimento da Criança (1930-1980) - Ana Laura Godinho Lima
  • Atenção Básica em Saúde em um Cenário de Vulnerabilidade: Produção de Saúde e Governança Informal do Tráfico - Amanda Dourado Souza Akahosi Fernandes, Sabrina Helena Ferigato, Massimiliano Minelli e Thelma Simões Matsukura
  • A Promoção da Saúde na Atenção Básica: O Papel do Setor Saúde, a Mudança Comportamental e a Abordagem Individual - Fabio Fortunato Brasil de Carvalho, Marco Akerman e Simone Cynamon Cohen
  • Ciclovias, Atividade Física no Lazer e Hipertensão Arterial: Um Estudo Longitudinal - Alex Antonio Florindo, Guilherme Stefano - Goulardins e Inaian Pignatti Teixeira
  • Entre Utopias Desejáveis e Realidades Possíveis: Noções de Bem Viver na Atualidade - Gabriel Castro Siqueira, Bruno Simões Gonçalves e Alessandro de Oliveira dos Santos
  • Os Limites da Curatela e o Consentimento Livre e Esclarecido da Pessoa com Deficiência - Jussara Maria Leal de Meirelles e Ana Paula Vasconcelos
  • Logística Reversa de Medicamentos no Brasil: Uma Análise Socioambiental - Sara Raquel L. B. de Lima, Viviane Souza do Amaral e Julio Alejandro Navoni

Segurança alimentar

  • Segurança Alimentar: Reflexões sobre um Problema Complexo - Semíramis Martins Álvares Domene et al.
  • Alimentação Saudável, Agricultura Urbana e Familiar - Ana Lydia Sawaya et al.
  • Nas Brechas do Cotidiano: Construindo Reflexões sobre Práticas e Saberes Profissionais a partir da Comida do Território - Giulia de Arruda Maluf, Maria Paula de Albuquerque, Maria Fernanda Petroli Frutuoso e Bernardo Teixeira Cury
  • O Que Influencia os Flexitarianos a Reduzir o Consumo de Carne no Brasil? - Mariele Boscardin, Andrea Cristina Dorr, Raquel Breitenbach e Janaína Balk Brandão

Cidades e Tecnologias

  • Adaptação às Mudanças Climáticas e Prevenção a Desastres na Cidade de São Paulo - Ana Maria de Oliveira Nusdeo, Andresa Tatiana da Silva e Fernanda dos Santos Rotta
  • A Governança das Águas no Brasil: Qual o Papel dos Municípios? - Valérie Nicollier, Asher Kiperstok e Marcos Eduardo Cordeiro Bernardes
  • Soluções Baseadas na Natureza em Projetos de Revitalização de Brownfields Urbanos: Novos Paradigmas para Problemas Urbanos - Evandro Nogueira Kaam e Amarilis Lucia Casteli Figueiredo Gallardo
  • Sobre Foucault e o Urbanismo Brasileiro: Uma Genealogia do Planejamento (c. 1850s-1945) - Joel Outtes
  • Cidades Cognitivas: Utopia Tecnológica ou Revolução Urbana? - Marcio Lobo Netto e João Francisco Justo
  • Intraempreendedorismo e Inovação em Organizações Públicas: Caso do Censo no Brasil - Roberto Kern Gomes e Magnus Luiz Emmendoerfer