Pontes e Vivências de Saberes – Censo

por Aziz Salem - publicado 25/10/2021 11:45 - última modificação 08/07/2022 17:06

Resultados do censo

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Jardim São Remo e Sem Terra

Jardim Keralux e Vila Guaraciaba

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O Censo Vizinhança USP foi realizado nas comunidades Jardim São Remo e Sem-Terra/Vila Clô (vizinha à Cidade Universitária) e Jardim Keralux e Vila Guaraciaba (vizinhas ao campus USP Leste), coordenado pela Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência. As informações coletadas e analisadas servirão para planejar e reivindicar ações que promovam qualidade de vida, o acesso a direitos básicos e serviços públicos de qualidade e a melhoria da infraestrutura urbana para os moradores. As atividades foram realizadas por estudantes da USP - todos moradores ou ex-moradores de periferias paulistanas, que entrevistaram um responsável de cada residência e também líderes locais das três comunidades.

A coordenação da atividade é da educadora e ativista social e cultural Eliana Sousa Silva, titular da cátedra em 2018 e diretora da Redes da Maré, ONG atuante no Complexo da Maré, maior conjunto de favelas da cidade do Rio de Janeiro. Eliana coordena ação semelhante na Maré, iniciada em 2011.

Pra que servirá?

O censo permitiu a coleta de diversos dados, como número de habitantes, composição da população por faixas etárias, escolaridade, condições de moradia, infraestrutura urbana, conforto ambiental, instituições públicas e privadas que atuam na comunidade e moradores que desenvolvem ações culturais, esportivas e de comunicação.

Os dados populacionais, sociais e econômicos permitirão caracterizar e dimensionar as demandas específicas da comunidade, além de ressaltar suas virtudes e potencialidades, explica Eliana. “Com números e outras informações, vai ser mais fácil para as associações comunitárias, ONGs, órgãos públicos ou qualquer morador mobilizar as pessoas e planejar ou reivindicar melhorias para a comunidade."

Ao longo dos anos, a USP tem desenvolvido vários projetos na São Remo, com o intuito de, gradativamente, contribuir para a melhoria das condições de vida na comunidade e o fortalecimento da relação entre professores, estudantes e funcionários da Universidade com os moradores da área.

Como funcionou o censo?

Com auxílio de bolsa específica para participação no projeto concedida pela Reitoria da USP e identificados com crachá e camiseta, os pesquisadores realizaram as entrevistas em duas fases: na primeira, a aplicação de questionários de porta em porta sobre os domicílios, pessoas e animais; e, na segunda, por ligação (durante a pandemia)  sobre as lideranças locais e instituições socioculturais.  A participação no censo foi voluntária.

Todas as informações foram prestadas de forma confidencial. Os dados serão divulgados por meio de estatísticas coletivas e nunca de modo a que uma residência ou estabelecimento comercial possa ser identificado.

Os resultados do censo serão encaminhados aos comerciantes, entidades e instituições da comunidade, de modo que todos os moradores possam ter acesso a eles.

 

Qual a importância do censo?

O censo local gera informações específicas de cada comunidade em relação aos contextos pesquisados, já que o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), realizado a cada dez anos e com cobertura nacional, oferece uma caracterização mais geral da população do Brasil e de suas demandas.

Nesse sentido, a produção dos dados são mais precisos e podem ser representativos do peso demográfico e da participação social, econômica, política e cultural dos moradores de periferias e favelas no contexto da cidade de São Paulo. Além disso, busca-se romper com a estigmatização dessas localidades como territórios de carências e ausências, dando visibilidade às suas formas de sociabilidade, práticas culturais, iniciativas econômicas e projetos de intervenção social.

As articulações que foram organizadas ao longo da pesquisa, tanto com moradores e lideranças das localidades pesquisadas, quanto entre os docentes envolvidos na análise dos dados, e os dados produzidos em si, têm grande potencial para aproximar e melhorar a relação da USP com a sua vizinhança.

Dados que podem qualificar as reivindicações dos moradores desses territórios, subsidiar novos projetos de pesquisa e extensão dos professores da USP, e também possibilitar a organização de um grupo de trabalho propositivo de novas ações, programas e políticas da USP, mais abrangentes e integrativas, relacionadas ao Jardim São Remo, Sem-Terra, Jardim Keralux e à Vila Guaraciaba.

 

Objetivo

O objetivo do diagnóstico é ter uma visão globalizada sobre a realidade dos habitantes de periferias do entorno da USP, com o intuito de auxiliar as demandas sociais e a construção de propostas direcionadas ao governo e às instituições privadas com foco na responsabilidade social.

Ainda tem como objetivos específicos: caracterizar e contabilizar as residências e seus ocupantes no que diz respeito ao acesso a bens e serviços, nível de renda, trabalho, condições de vida e saúde; mapear as instituições comunitárias (igrejas, escolas, postos de saúde, ONGs etc.); coletar informações das lideranças que promovem ações culturais e esportivas; detectar os aspectos urbanos do entorno dos domicílios; elaborar cadastro de endereços para fins estatísticos; caracterizar cães e gatos domiciliados, bem como a presença de escorpiões e roedores nessas localidades.

O Censo Pontes e Vivências de Saberes foi inspirado no Censo Maré, realizado em um conjunto de favelas localizado no Rio de Janeiro (https://redesdamare.org.br/br/info/12/censo-mare).

 

Histórico das comunidades

  • São Remo e Sem Terra (Vila Clô)

Na Comunidade São Remo e Sem Terra habitam cerca de 2800 famílias (ou coloca o número exato de 2889?) e ocupam juntas uma área de cerca de 118.000.000 m2 na Zona Oeste da Cidade de São Paulo. Localizam-se entre a Avenida Corifeu de Azevedo altura do número 4.082 (próximo ao 16º Batalhão da Polícia Militar) e os muros da Universidade de São Paulo.

Além das duas comunidades, mais recentemente surgiu em meio a crise pandêmica, econômica e habitacional a comunidade Buracanã, no antigo terreno cedido pela USP para o CDHU.

A ocupação dos moradores no território São Remo e Vila Clô/Sem Terra está associada à Universidade de São Paulo campus Butantã. A relação foi forjada conflituosamente pela proximidade, tolerância, rejeição, mas sempre mediada pela dependência nas relações de trabalho.

Em 1960 a ocupação do território começou em que o adensamento populacional aconteceu pela demanda de mão de obra para a construção das primeiras unidades da Cidade Universitária. Em 1979, chegou na comunidade São Remo os serviços públicos de luz e água após muita luta dos moradores através do Movimento das Favelas Unidas do Butantã. Após 20 anos a população passa a ocupar o que hoje moradores identificam como Sem Terra ou Vila Clô. As reivindicações continuaram por melhorias como: a estrutura viária, os serviços públicos de educação e saúde, saneamento e policiamento e a permanência da população no local.

Em 1990 foi construído o muro entre a USP e a Comunidade São Remo, uma separação física e simbólica, como resposta institucional aos problemas da violência no campus atribuídos aos moradores. Com respaldos até hoje, esta relação historicamente ambígua promove aos moradores da São Remo e Vila Clô uma visão permeada pelo estigma da violência e criminalidade pela universidade. Apesar da relação ambígua entre comunidade e universidade, desde os anos 1990 várias unidades da USP desenvolvem trabalhos de pesquisa e extensão na São Remo e Sem Terra/Vila Clo. Entre eles o Projeto de Extensão “Programa Avizinhar" e o “Diagnóstico Preliminar Sócio Territorial do Assentamento São Remo”.

Em 10 anos, registrou-se um aumento de 10% no número de moradores do Jardim São Remo e em Sem Terra/Vila Clô, os dados são do censo Pontes e Vivências de Saberes, que comparou os números obtidos em sua pesquisa de campo ao levantamento de 2010 do IBGE.

Em relação a sociocultural, em ambas comunidades encontra-se também sociabilidade em espaços de lazer e atividades como: bares e biroscas, atividades de grafitte no (antigo) Espaço Circo Escola, campeonatos de futebol e instituições religiosas. Além das opções de comércio e serviços, tais como: padarias, mercearias, farmácia, salões de beleza, serralherias, quitandas e lojas de roupas.

  • Jardim Keralux e Vila Guaraciaba

Na Vila Guaraciaba e o Jardim Keralux habitam cerca de 2.500 famílias e ocupam uma área de cerca de 220.000 m2 na Zona Leste da Cidade de São Paulo. Localizam-se às margens do km 18 da Rodovia Ayrton Senna e fazem fronteira com a linha F da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e com a siderúrgica ArcelorMittal, além de serem vizinhas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades, da Universidade de São Paulo (EACH/USP)

O Jd. Keralux e Vila Guaraciaba em sua origem foram marcadas pela luta por moradia e acesso a serviços públicos como água, transporte, saúde e educação. Em 1970 a fábrica Keralux S/A Revestimentos Cerâmicos fale, porém o bairro permanece com o nome por ficar localizado aos arredores da fábrica. Já em 1994 um grupo de grileiros loteou o terreno e o vendeu ilegalmente para aqueles que seriam os primeiros moradores do bairro. Após o loteamento ocorreram muitas tentativas de desocupação e mandados de reintegração de posse aos antigos proprietários e por anos a população se organizou para manter a posse do território e pela regularização da terra. Após 2 anos, depois os moradores conseguem a 2ª liminar do bairro para manter a posse do território e fundam a Associação de Moradores do Jd. Keralux (Instituto União Keralux).

A instalação da EACH/USP na vizinhança das comunidades alterou a dinâmica social dos bairros. No bairro há o reconhecimento da importância da universidade, porém ainda existe desconfiança e distanciamento por parte das pessoas.

Em 10 anos, registrou-se um aumento de 13% no número de moradores do Jardim Keralux e da Vila Guaraciaba, os dados são do censo Pontes e Vivências de Saberes, que comparou os números obtidos em sua pesquisa de campo ao levantamento de 2010 do IBGE.

Houve nos últimos anos uma expansão do setor de serviços através da reforma e da ampliação de alguns estabelecimentos comerciais. E essa expansão contribuiu para o aumento da oferta de empregos formais e oferece à população serviços e gêneros de primeira necessidades como: padarias, supermercados, mercearias, farmácia, açougue e feira livre.

Em ambas comunidades encontra-se também sociabilidade nos espaços de lazer como instituições religiosas, bares e as "batalhas de rap" realizadas antes da pandemia da COVID-19 e a comemoração de todos os anos do aniversário Jardim Keralux organizada pelo Instituto

Relatos de moradores, relatos de experiência dos pesquisadores e trechos do livro narrativas periféricas

  • Zona Oeste

Articuladora Camila e equipe de São Remo em campo

“O censo pode ajudar a São Remo, e os moradores sentem isso. Pode trazer uma conscientização para os jovens, que às vezes estão sem uma ocupação no momento, mas podem se envolver e ajudar”, conta. “E nós aprendemos bastante com os alunos. Sentamos e conversamos com eles. A relação é muito prazerosa”.

Depoimento de Camila Santos, de 33 anos, que é dona de uma quitanda na São Remo e exerceu esse papel de articuladora junto com o marido, Eraldo.

 

  • Zona Leste

“Eu iniciei no projeto com um convite e uma indicação do irmão da moço do sacolão, que falou com a supervisora do censo. Aí, passei a trabalhar com vocês. Para mim, foi bom o trabalho que fiz. Não sei se vocês gostaram, mas eu gostei e muito! O trabalho era feito da seguinte forma: pegava a bicicleta com o som alto e andava pelo bairro inteiro, de rua por rua, vareira por vareira, sem parar um segundo, parava apenas nos faróis, o restante era sempre pedalando”

Depoimento de Sebastião Gomes, morador há 26 anos do Jd. Keralux. Atuou como divulgador do censo, percorrendo as ruas do Jardim Keralux e da Vila Guaraciaba com a vinheta de propaganda da pesquisa.

 

Brinde da equipe durante almoço comunitário na casa de um articulador no Jardim Keralux

"Cada ida a campo fortaleceu a importância do projeto e cada entrevista era mais que um código, era uma história de vida contada e, algumas vezes, acompanhada pro um cafezinho quente. O setor 43 representou mais que um determinado número de ordens, faces e quarteirões, mas em uma tentativa de inter-relacionar minhas vivências à metodologia utilizada em campo (...)"

Depoimento de Victoria Caroline de Souza Alves, bolsista pesquisadora do Censo no território Jardim Keralux.