Equidade: Dos Dados à Pedagogia da Diversidade

por Nelson Niero Neto - publicado 07/02/2020 11:55 - última modificação 07/02/2020 11:59

Avaliações e censos são importantes para compreender os desafios da equidade e pensar maneiras de abraçar a diversidade dentro das instituições de ensino

Pontos-chave

1. Equidade está relacionada à ideia de reduzir as desigualdades que são geradas por diversos fatores sociais e econômicos e que podem levar a diferenças na aprendizagem ao se comparar diferentes grupos.

2. A promoção da equidade pode ser feita por políticas afirmativas, que garantem acesso a oportunidades iguais. Mas também é importante realizar ações para que os resultados, ao analisar grupos, sejam semelhantes.

3. Em sala de aula, abraçar a diversidade da turma – em seus interesses, suas histórias pessoais e também suas maneiras de aprender – é fundamental para promover a equidade.

Por Rodrigo Ratier e equipe

O termo equidade tem mudado as discussões sobre avaliação e resultados educacionais. Cada vez mais presente no debate educacional, é importante que ele seja apresentado e debatido amplamente. Essa foi a ideia que conduziu a palestra "Escola, Diversidade e Equidade", apresentada pelo professor José Francisco Soares e mediada pela professora Bernardete Gatti durante o primeiro encontro do Ciclo A Escola: Espaços e Tempos das Ações Docentes, da Cátedra de Educação Básica da USP.

A ideia de equidade está presente em diversos documentos. Um dos principais é o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS4), estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e do qual o Brasil faz parte. O ODS4 define como meta: "Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos". Nele está embutida a noção de que as políticas educacionais devem garantir que todos possam aprender, independente de fatores sociais e econômicos. "A ideia que precisamos ter é a de diminuir a desigualdade", afirma Soares. Ele defende que, para atingir esse objetivo, é necessário considerar como dados, pesquisas e avaliações podem contribuir.

Concepções de educação e equidade

Conhecimento, habilidades e atitudes são os três pilares que levam ao desenvolvimento de competências, que devem nortear todo o trabalho educacional. "A ideia de que educação é aprendizado não pode ser perdida. O que mudou é que, antes, íamos para a escola para o conhecimento só. As atitudes eram responsabilidades da sociedade e da família", afirma o palestrante.

 

Veja os vídeos da palestra na íntegra: Parte 1 | Parte 2

Para garantir que as escolas cumpram seu papel, é necessário observar os dados e as avaliações educacionais. O pesquisador presidiu o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia do governo federal responsável pelos censos educacionais e por avaliações nacionais, como a Prova Brasil. Ele explica que a discussão sobre equidade nasce da necessidade de analisar os números gerados por essa instituição e nas próprias escolas de maneira mais complexa do que apenas por um único índice, como o Ideb. "Precisamos observar o resultado de grandes avaliações para além das médias e atentar para a importância de assegurar que todos tenham seu direito de aprender respeitado", afirma.

Pergunta da plateia

Como as teorias pedagógicas podem estar a serviço da diversidade?

É importante que elas sejam postas em discussão para fomentar avanços no ensino. Esse papel cabe, em parte às universidades, e em parte aos próprios professores. "A teoria não está completamente sistematizada, mas seria um erro dizer que não há estudos que contemplem a diversidade", afirma José Francisco Soares. Bernardete Gatti, vice-presidente da Fundação Carlos Chagas (FCC) e mediadora da mesa, defende a necessidade de que currículos de formação inicial e continuada de professores chamem a atenção para como a teoria pedagógica – que envolve diversos campos, como a comunicação, a psicologia do desenvolvimento, a filosofia, entre outros – se dá na prática das salas de aula. "Nós estamos vivendo em uma sociedade muito complexa e de recriação intensa. É preciso discutir essas teorias", afirma Bernardete.

Ele conta que, quando presidiu o Inep, organizou os resultados da Prova Brasil de acordo com os níveis socioeconômicos dos estudantes de 9º ano das escolas públicas brasileiras. Foi possível notar que a diferença de aprendizado entre os jovens de maior nível socioeconômico e os de menor era equivalente a dois anos escolares."O que eu estou defendendo: nosso planejamento não pode ser centrado em uma medida só, como o Ideb. A gente tem que falar dos resultados na média, mas também das diferenças entre diferentes grupos", explica Soares.

Equidade de processo e de resultados

A observação de que fatores socioeconômicos geram desigualdades tem levado, nos últimos anos, à promoção de políticas equitativas. O objetivo delas é garantir igualdade de oportunidades. Imagine que duas pessoas, de mesma estatura, tentem olhar por cima de um muro. Uma delas está sobre uma escada e outra, no chão. As políticas equitativas atenuam essa distorção ao fornecer um "banquinho" para que a segunda também possa alcançar a mesma altura que a primeira. "Trato desiguais de forma desigual", resume Soares. É o que acontece, por exemplo, em políticas de cotas raciais ou socioeconômicas, que dão a grupos específicos oportunidade de entrar em universidades ou escolas de elite. Essa é, segundo o especialista, a ideia de equidade de processo, quando corrigem-se distorções no ponto de partida.

"Mas posso ter uma política equitativa e ter desigualdades", diz Soares. O pesquisador alerta para o fato de que não basta ajustar oportunidades sem observar se as crianças e jovens chegam a pontos semelhantes no fim de sua trajetória escolar. Na educação básica, por exemplo, é fundamental analisar se estudantes de diferentes grupos raciais e socioeconômicos conseguem acessar a escola, permanecer nela e aprender em níveis semelhantes. Essa é a ideia de equidade de resultados.

Soares contou uma história para exemplificar a ideia que estava apresentando. Segundo ele, uma antiga colega dava aulas para a educação de jovens e adultos. Ao chegar em sala um dia, ele notou a ausência de um estudante. Quando perguntou sobre ele, os demais apenas responderam "157", o artigo do código penal relativo a roubo a mão armada. A reação da professora foi questionar: "ele já teve direito a um advogado?". De acordo com Soares, esse caso mostra como a ideia de inclusão, em uma sociedade democrática, diz respeito a garantir que todos – mesmo aqueles que possam parecer "errados" ou "maus" – tenham seus direitos garantidos ao longo de sua vida.

O professor chama a atenção para o fato de que a ideia de equidade não se contrapõe à ideia de valorizar o esforço individual de estudantes. Isso porque as medidas de equidade se referem a grupos e não indivíduos. "É possível ter um João que vá melhor em Matemática do que uma Maria, mas é preciso observar se o grupo das meninas não está tendo menos oportunidades de aprender", exemplifica.

Quem é José Francisco Soares
Professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), membro do Conselho Nacional de Educação e do Conselho Técnico do Instituto Nacional para la Evaluación de la Educación (INEE) do México. Foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2014 a 2016. Tem doutorado em estatística pela Universidade de Wisconsin e pós-doutorado em educação pela Universidade de Michigan, ambas nos Estados Unidos.

Diversidade: uma abordagem pedagógica

"As métricas ajudam, mas é preciso que elas tenham alma. E a alma é pedagógica", afirma Soares. Isso significa que, se as políticas públicas forem eficientes em fazer com que todos os estudantes entrem e permaneçam na escola, todas as turmas serão compostas por indivíduos diversos entre si e a escolha sobre como administrar essa diversidade cabe, em sua maior parte, aos professores, que precisam repensar o que ensinam e como ensinam. "Não há problema em se dar aulas tradicionais, mas há quando todas as aulas são iguais", explica Soares.

Já no que diz respeito ao conteúdos de ensino, O professor defende que a proposta de reforma do Ensino Médio tenta aproximar a educação formal da ideia de abraçar a diversidade. “Para que a equidade não seja colocada em risco, estabeleceu-se uma formação básica, que deve contemplar todos os estudantes, e itinerários formativos, que poderão ser escolhidos pelos estudantes de acordo com seus interesses e suas necessidades”, finaliza.