Cotidiano interdisciplinar e lúdico
Pontos-chave |
---|
1. Os desafios da Educação Infantil ainda dizem respeito a visões equivocadas que parte da sociedade tem sobre a etapa. É preciso esclarecer os pais e a comunidade sobre suas especificidades para evitar pressões como a antecipação da escolaridade. 2. A formação inicial fragmentada do professor é o contrário da natureza interdisciplinar do cotidiano da Educação Infantil e não se mostra suficiente para apoiar a prática docente, que se constrói e aperfeiçoa dentro da escola. Gestores devem incentivar o compartilhamento de experiências entre os profissionais, para que se efetive a aprendizagem por projetos. 3. As creches e pré-escolas se beneficiam da parceria com a família, a comunidade e espaços e equipamentos culturais em seu território, permitindo a interação das crianças com pessoas, lugares e objetos de conhecimento para além dos muros da escola. |
Por Rodrigo Ratier e equipe
O que é interdisciplinar e o que é transversal na Educação Infantil? Ao abrir o grupo de discussão em torno dessa questão, o professor Lino de Macedo fez referência à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em especial aos Campos de Experiências e aos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento trazidos por ela. “Se observarmos os campos, veremos que todos eles estão interrelacionados”, afirmou.
O especialista, que coordenou a atividade temática "Vivências dos conteúdos na Educação Infantil", defendeu que os campos apresentam a ideia de interdisciplinaridade, enquanto os Direitos se relacionam com a transversalidade. “A palavra direito implica em deveres, mas as crianças pequenas não têm deveres e sim necessidades de desenvolvimento”, explicou. Sem o apoio de família, escola e sociedade, elas ficam comprometidas e já começam suas vidas em desvantagem.
Na Educação Infantil o brincar e as interações – entre pares, com adultos e em diferentes situações – são os eixos estruturantes do trabalho e caracterizam a infância. “As crianças têm necessidade e direito de participar de atividades, de explorar ludicamente o próprio corpo e de construir sua identidade”, disse Lino. Ainda que essa etapa tenha vocação transdisciplinar, ele aponta que há riscos de fragmentação na proposta da BNCC e que se dão por alguns fatores, como a divisão em três etapas, de acordo com a faixa etária dos pequenos e a falta de integração entre os anos iniciais do Ensino Fundamental – tradicionalmente mais fragmentados em disciplinas e em um formato de escolar mais tradicional – e o que se espera da Educação Infantil.
Para a formadora de professores e pesquisadora Waldete Tristão, que dividiu a coordenação da atividade com Macedo, o maior risco que a Educação Infantil corre é justamente ser considerada um preparatório para a etapa seguinte. Segundo ela, é preciso focar no momento vivido pelos pequenos. “A criança tem direito de ser sujeito no seu próprio tempo e esse tempo é para ser vivido intensamente na Educação Infantil”, ressaltou.
Veja os vídeos do encontro na íntegra: Parte 1 | Parte 2
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) asseguram que essa é a primeira da Educação Básica e sinalizam que ela exige uma especificidade do profissional. Ele ou ela devem entender os eixos norteadores do desenvolvimento infantil, a forma como o currículo pode ser construído, sobre linguagem oral e escrita, sobre acolhimento e autonomia das crianças. “O autoconhecimento perpassa todas as experiências da criança na creche e na pré-escola”, observou Waldete. A construção da autoimagem depende de valores importantes para a família e da instituição educacional. O profissional da Educação Infantil deve colocar a equidade como conceito transversal, observando a diversidade entre as crianças como realidade.
- A Educação Infantil frequentemente é vista como uma etapa de preparação para o Ensino Fundamental. Em outros momentos enfrenta uma visão assistencialista, voltada apenas para cuidados básicos
- A formação inicial do professor acontece dentro de uma lógica fragmentada, que precisa ser desconstruída no cotidiano. A escola deve ser o locus de formação permanente e estimular a reflexão sobre a prática.
- O trabalho com projetos dá sentido aos conhecimentos, supera a fragmentação das disciplinas e dá margem ao protagonismo quando é feito COM as crianças e não PARA elas (sem escutá-las ou reconhecer seus saberes).
- O tripé cuidar, brincar e educar sustenta a Educação Infantil. E a aprendizagem é mais efetiva quando os projetos surgem do interesse da turma e os conhecimentos são construídos de maneira conjunta.
- É preciso garantir a equidade e ter um olhar atento para questões de gênero e étnico-raciais.
- A relação com a família é delicada, pois muitos pais cobram caderno ou criança alfabetizada e cabe aos profissionais mostrar que meninos e meninas aprendem por meio da brincadeira.
- Aproximações com o território onde estão inseridas as escolas, como visitas a museus, teatros, bibliotecas, centros culturais, parques e praças, estimulam a curiosidade e as aprendizagens das crianças.
Na parte da tarde, os participantes foram divididos em três grandes grupos, cada um com a missão de discutir uma temática: 1) a demanda de antecipação de escolarização na Educação Infantil; 2) as relações da escola com família, comunidade e território; 3) a formação de professores. Leia a seguir seus relatos resumidos.
Concepções claras de criança e de infância
O grupo representado por Marieta Leite Silva, coordenadora pedagógica em Itapeva, SP, reuniu profissionais do litoral, do interior e da grande São Paulo, e elencou situações para evitar a antecipação da escolarização. Eles destacaram que os princípios da Educação Infantil e suas especificidades devem ser entendidos pelos pais e por docentes do ensino fundamental. A formação continuada de professores precisa fortalecer a concepção de criança e infância e aos gestores escolares cabe definir uma proposta pedagógica clara e dialogada com a escola e a comunidade. “Para que não se antecipe a escolarização, o principal é saber o que é para ser feito. Ou seja, a escrita deveria ser reconhecida enquanto linguagem como todas as outras: a oralidade, a música, a dança, as artes visuais, a modelagem”, observou Marieta, que defendeu o contato com a escrita em sua função social. Outra questão comentada pelo grupo foi a da avaliação na Educação Infantil, encarada como problema em vários municípios, e que deve ser auto avaliativa e considerar o desenvolvimento das crianças por meio de observação e registro.
Quem é Waldete Tristão |
---|
Doutora em Educação pela USP e mestre em Educação pela PUC-SP, é graduada em Letras e Pedagogia. Atuou como professora, formadora e na gestão pedagógica e administrativa em Escolas de Educação Infantil (EMEI) e Centros de Educação Infantil (CEI) do Município de São Paulo por 32 anos. É membro da Equipe de Educação do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), formadora de gestores e professores de Educação Infantil, com enfoque em relações raciais. |
Quem é Lino de Macedo |
---|
Mestre, doutor e livre-docente em Psicologia pela USP. É membro da Academia Paulista de Psicologia e docente aposentado do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Especializou-se no construtivismo do suíço Jean Piaget (1896-1980), na Psicologia aplicada à educação e nos jogos infantis e hoje coordena um laboratório de pesquisas e elaboração de atividades relacionadas às brincadeiras e voltadas para a escola. |