O futuro da cátedra

por Nelson Niero Neto - publicado 07/02/2020 13:49 - última modificação 07/02/2020 13:49

Para os próximos quatro anos, os responsáveis pela Cátedra de Educação Básica estabeleceram como objetivo aumentar a abrangência da iniciativa e focar no combate à fragmentação do conhecimento na escola
Pontos-chave

1. Para os anos de 2020 a 2023, a Cátedra pretende seguir criando proposta junto com educadores de redes públicas e particulares de ensino, além de acadêmicos.

2. Além da realização de seminários e oficinas, ela também se dedicará a produzir uma cartografia de experiências que possam dar subsídios para propostas ligadas à formação inicial e continuada dos professores.

3. Para 2020, as ações da Cátedra se dedicarão a discutir a ligação entre as diferentes disciplinas que compõem o currículo escolar.

4. Em 2020, às oficinas serão realizadas em grupos menores e divididos de acordo com as etapas de ensino.

“Estamos trabalhando em uma linha de parceria e colaboração com os educadores. Nas atividades que planejamos, o professor está na centralidade. Sabemos que a descoberta de soluções para a educação passa por muito debate. Por isso, fizemos ajustes para que ele ocorra de fato”, introduziu o professor Naomar de Almeida Filho, ao iniciar a apresentação do planejamento das ações da Cátedra da Educação Básica no próximo quadriênio, de 2020 a 2023. A fala de Almeida Filho se articulou à do professor Luís Carlos de Menezes: ambos foram responsáveis por apresentar o planejamento da Cátedra para até 2023 e, mais especificamente, para 2020.

Posicionamento estratégico

O planejamento para os próximos quatro anos da iniciativa se dá ao redor de um posicionamento estratégico montado pelos docentes que lideram essa iniciativa. O objetivo principal é: "Contribuir para políticas de formação e reconhecimento do professorado da educação básica, especialmente das redes públicas".

Para atingir esse objetivo, haverá dois eixos de atuação: o primeiro será disseminação e debates, e o segundo será curadoria e apoio a pesquisas. Para ampliar também a discussão para fora da Universidade de São Paulo, estão previstas iniciativas em parceria.

Em sua fala, o professor ressaltou que a abrangência é a maior mudança de rumo em relação ao projeto original da Cátedra. A ideia é que os debates e os resultados sejam divulgados em nível nacional.

Veja os vídeos do encontro na íntegra: Parte 1Parte 2

Os blocos temáticos que serão contemplados pela Cátedra foram divididos assim:

2020 | Fundamentos e Temas - Exploração das ideias fundamentais do campo da Educação, estendendo-se a conteúdos educacionais, superando e complementando as perspectivas disciplinares;

2021 | Técnicas e Práticas - Aprofundamento das relações teoria e prática, articulação entre meios e fins, exploração de metodologias alternativas e novas tecnologias para aprimorar a atuação docente;

2022 | Espaços e Políticas Relações entre diferentes níveis de planejamento, articulação entre ações individuais e projetos coletivos, construção e consolidação de políticas educacionais do Estado;

2023 | Sujeitos e Sentidos Valorização social da docência e da condição docente – tutoria, orientação, mediação, cartografia de relevâncias, colaboração no reconhecimento de vocações e na construção de projetos de vida.

Por fim, o professor Almeida Filho mostrou os produtos da atuação da Cátedra, que são as atividades, ações e desenvolvimentos esperados: além de seminários e debates e oficinas, também devem passar ocorrer colóquios, cursos e protótipos para a formação inicial e continuada de professores. Além dos recortes de interdisciplinaridade – que será um dos principais temas de 2020 –, a intenção é avançar na construção de respostas. O desafio será como tornar as produções mais abrangentes e disponíveis para consulta permanente. Seria desejável também a conexão online com grupos de escolas ou centros de formação, para que educadores à distância possam interagir e participar.

Cartografia de experiências

Trata-se do eixo principal que levará à criação de dois produtos:

1) Protótipos de formação inicial e continuada
2)
Subsídios para propostas de políticas de formação de professores

Sua organização ficará a cargo da professora Bernardete Gatti, da Fundação Carlos Chagas (FCC). “Durante os últimos anos, vimos experiências feitas em municípios, em órgãos governamentais, na academia e até por professores isolados que são de riqueza muito grande para a Educação Básica. Só de mestrados profissionais no Brasil são cerca de quarenta, voltados para soluções nas escolas. Onde está esse conhecimento? De que tipo é e o que pode nos trazer?”, provocou Gatti. Muitas experiências de universidade e escola não estão sequer registradas. É essa a motivação para localizar as mais interessantes e já testadas que podem trazer soluções e modos diferentes de abordar aspectos do currículo. A ideia é que todo esse conhecimento seja mapeado e alimente a rede de saberes estimulada pela Cátedra.

2020: Foco na interdisciplinaridade

Analisando a estrutura de seminários, palestras e workshops que norteou os dois semestres de 2019, a decisão dos responsáveis pela Cátedra foi a de preservar dois momentos bem-sucedidos: o da exposição de temas e problemáticas e o do trabalho em grupo entre os educadores para debater e avançar nas discussões. “Mas o tempo reservado às oficinas ficou muito curto para um grupo bastante grande de participantes. O resultado foi que nem todos conseguiram se expressar”, descreve o professor Luís Carlos de Menezes, da comissão executiva da Cátedra de Educação Básica do IEA-USP. A intenção para 2020 é trabalhar com grupos menores, com seis ou sete pessoas, no máximo, com tempo suficiente para maior aprofundamento no tema a ser debatido.

Outra novidade planejada para o próximo ano é a ampliação do intercâmbio entre disciplinas e entre as diferentes áreas do conhecimento. Propõe-se, por exemplo, a articulação entre Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Atualmente, no melhor dos casos, quem faz essa relação entre conteúdos e áreas de estudo costuma ser o aluno. “Entre os docentes, na escola, existe uma fratura disciplinar”, ressalta Menezes.

Como funcionarão os encontros em 2020

A proposta de agenda de cada encontro segue o seguinte esquema: pela manhã serão reservados 40 minutos para uma palestra sobre o tema principal, seguida de 30 minutos de discussão da plateia em plenário. Após o intervalo, os participantes serão divididos por etapa da Educação Básica, ou seja, um grupo se dedicará à Educação Infantil, outro à Ensino Fundamental I e um terceiro a Ensino Fundamental II e Médio. O tempo para as oficinas será de 1h30. Após o período reservado para o almoço, o esquema se repete na parte da tarde, com palestra sobre um segundo tema e grupos divididos por etapas da educação envolvidos em oficinas de 1h30 de duração.

Conversa fundamental entre disciplinas

Em relação à proposta da interdisciplinaridade, Menezes foi categórico em afirmar que a Ciência não pode ser entendida sem uma mínima compreensão de contexto histórico. “Vale a pena olhar para a revolução industrial e as tecnologias, que muitas vezes começaram no chão de fábrica, e só depois foram analisadas pela academia. O celular e o led de hoje não funcionariam se não houvesse antes a revolução quântica. O processo de pasteurização só ocorreu por uma necessidade premente de conservar os alimentos, pois não havia refrigeração. Então compreender História é compreender a história do conhecimento em cada etapa da vida humana”, ressaltou o professor, estudioso da área da Física. De certa forma, os conteúdos curriculares se articulam. Entender Geografia é aprender sobre a matriz energética de um país, sua biodiversidade, o quanto depende de combustíveis renováveis e fósseis. “História e Geografia têm uma interlocução importante com Ciências da Natureza, por isso achamos importante que nos nossos encontros um professor de Biologia, por exemplo,  seja estimulado a conversar com os de Ciências Humanas”, concluiu.

Quem é Naomar de Almeida Filho
Médico, mestre em Saúde Comunitária, doutor em Epidemiologia. É professor titular de Epidemiologia no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor visitante em universidades nos Estados Unidos, no Canadá, no México e na Argentina. Foi reitor da UFBA e, na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), foi presidente da comissão de implantação e reitor pro-tempore. Autor de diversos estudos sobre a universidade e sua relação com a sociedade. É professor visitante no Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP).
Quem é Luís Carlos de Menezes
Doutor em Física pela Universidade Regensburg, é professor sênior do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Membro do Conselho Estadual de Educação em São Paulo. Consultor da Unesco para propostas curriculares. Principais focos de trabalho em educação: currículos para a Educação Básica, formação de professores e ensino de Ciências.

Essa interface entre as disciplinas será o trabalho focal das palestras e motivo das discussões nas oficinas. O que levou os organizadores a dividi-las por etapas da escolaridade foi a problemática comum enfrentada pelos educadores. Assim como o multiletramento é o contexto principal dos anos iniciais do Ensino Fundamental, presente em todos os seus componentes, os anos finais do Ensino Fundamental têm o desafio da divisão em muitas disciplinas e são neles onde reside a crise maior da educação atual.

Como exposto pelo professor Menezes, os dois primeiros encontros da Cátedra da Educação Básica em 2020 planejam propostas de articulação entre:

  • Ciências da Natureza e Ciências Humanas
  • Linguagens e Matemática
  • Ciências Humanas e Linguagens

“Quando falamos em Linguagem, estamos tratando de leitura de mundo, segundo Paulo Freire. Não é apenas o ler e escrever atrelado à grafia, mas é o reconhecimento de que só o ser humano domina a linguagem simbólica... Para dizer coisas abstratas e entendê-las é essencial ter compreensão de mundo”, explicou Menezes. Nesse sentido, as oficinas são uma forma de ampliar e investigar como os educadores pensam essa articulação (tratada na palestra inicial) e como fazem a transposição didática para colocá-la em prática na sala de aula. A ideia é aprofundar o debate em torno das disciplinas e como elas funcionam de formas articuladas, mas com responsabilidade de fazer propostas didáticas. Ao final das explicações, o professor Menezes instigou o público de educadores a pensar sobre as propostas. Não são agendas fechadas, mas sim sugestões passíveis de modificação.