Diversidade na sala de aula e fora dela

por Nelson Niero Neto - publicado 07/02/2020 12:02 - última modificação 07/02/2020 12:02

O protagonismo dos estudantes e da comunidade é o ponto mais importante para abraçar a diversidade na escola

Pontos-chave

1. A discussão sobre diversidade abrange um número grande de tópicos (raça, cultura, religião, histórico familiar, deficiências, etc). É preciso considerar que todos os alunos são diversos e olhá-los individualmente.

2. Abordar a diversidade pressupõe permitir que os estudantes desenhem percursos de aprendizagem individuais. Isso é possível ao adotar novas abordagens, como a pedagogia de projetos.

3. A própria escola pode se apropriar desse conceito de diversidade, ao mapear o público que a frequenta e envolvê-los na concepção do projeto político pedagógico.

4. Criar espaços de escuta e protagonismo dos estudantes também pode ser fundamental para identificar ações possíveis para contemplar as diversidades identificadas por eles próprios.

Por Rodrigo Ratier e equipe

Como reconhecer a diversidade? Quais os marcadores que apontam para quem são aqueles atingidos pela falta de equidade? Essa foi a provocação apresentada pelos coordenadores Billy Malachias e Juliana Yade durante a atividade temática "Escola: Diversidade e Equidade no Cotidiano", durante o primeiro encontro do Ciclo A Escola: Espaços e Tempos das Ações Docentes, da Cátedra de Educação Básica da USP.

A conversa foi inspirada pela palestra do professor José Francisco Soares, em que foram apresentados os conceitos de equidade e diversidade. Em um único grande grupo, os participantes compartilharam experiências e reflexões sobre a realidade enfrentada em nas escolas em que atuam. Durante o debate, questões de diferentes naturezas foram levantadas. "Diversidade e equidade são temas muito presentes para mim, pois preciso fazer a inclusão de alunos com deficiência em minhas aulas", contou a professora Anna Clara Pinheiro, da rede privada de São Paulo.

De fato, a inclusão foi um dos tópicos mais discutidos e chamou a atenção para outras questões: diversidade étnico-racial, cultura indígena, história africana e afrobrasileira, gêneros, famílias com composições variadas, diferentes orientações sexuais. A quantidade de itens só crescia, até que a professora Luciana Becegato, da rede privada de São Paulo, arrematou: "Como o professor olha para cada indivíduo, se não for como uma pessoa única?". Com essa frase, ela levantou a questão principal que guiou a segunda parte da atividade, executada por três grupos: como conceber ações que promovam o acesso, a permanência e a qualidade na escola para uma população que sempre será muito diversa?

Projetos que abraçam a diversidade

Se para promover a equidade é importante garantir a permanência e combater a evasão, a maneira como os conteúdos são ensinados também deve ser mudada. Com base nessa reflexão, o primeiro grupo decidiu propor a elaboração de projetos interdisciplinares para despertar o interesse dos estudantes e garantir seu engajamento. "Precisamos relacionar os temas do currículo com atualidades, aproximá-los das crianças, jovens e adultos que frequentam a escola", afirma a professora Mônica de Almeida, da rede municipal de São Paulo.


Veja os vídeos do encontro na íntegra: Parte 1Parte 2

O trabalho por projetos é uma oportunidade interessante para que os estudantes possam aprender de acordo com seus interesses e suas potencialidades, dentro de um mesmo conteúdo. Além disso, é possível relacionar diferentes componentes curriculares e propor investigações sobre questões que engajem os alunos.

Além da pedagogia por projetos, o grupo chamou a atenção para outras ações que podem aproximar o cotidiano escolar da realidade dos educandos, como a proposta de que eles possam pensar em seus projetos de vida e a possibilidade de que façam um curso técnico/profissionalizante junto ao ensino médio. Eles também chamaram a atenção para a adequação dos materiais da educação de jovens e adultos: muitas vezes utilizam-se os mesmos livros e recursos aplicados para crianças e adolescentes, o que desestimula quem está os recebe e pode levar à evasão.

Diversidade na identidade escolar

A importância de institucionalizar a discussão sobre diversidade foi o foco do segundo grupo de discussão. Os participantes partiram da reflexão sobre a necessidade de que o projeto político-pedagógico (PPP) das instituições contemplasse o tema. Muitas vezes, o documento é feito de acordo com orientações dadas pela secretaria de educação, e não abraça a realidade local. Os participantes propõem que as instituições assumam o protagonismo na redação do documento e o compartilhem com toda a comunidade.

Com base na participação de professores, funcionários, pais, alunos e até de organizações do entorno da escola, é possível estabelecer metas e ações que dialoguem com a instituição, valorizem a diversidade e promovam a equidade entre diferentes grupos. "O diretor pode atuar como articulador, criando redes no território e ajudando a promover e a viabilizar as ações", sugere o professor Ewerton de Souza, da rede municipal de São Paulo.

O PPP também pode ser uma peça fundamental para guiar os trabalhos de discussão coletiva e formação continuada. Esses momentos podem ser anteriores à elaboração do documento, procurando referenciais teóricos e pensando como eles podem se aplicar à realidade local, ou acontecer posteriormente, desenvolvendo estratégias para colocar a proposta em ação.

Escuta e diálogo

O terceiro grupo chegou à conclusão de que abrir espaço para que os próprios alunos possam falar e ser escutados é uma das melhores maneiras de abraçar a diversidade nas escolas. Como há diversas características e aspectos que podem ser levantados nos temas, a instituição pode estimular momentos e fóruns para que eles levantem os temas que são mais importantes a eles.

Um ponto fundamental é o fortalecimento dos grêmios estudantis. "Compartilhamos uma experiência muito bacana, de alunos de Ensino Médio tão organizados que foram convidados a apresentar e apoiar a formação de agremiações no Ensino Fundamental e na Educação Infantil", conta Katia Pereira, diretora da rede municipal de Santana do Parnaíba, no estado de São Paulo.

Quem é Juliana Yade
Pedagoga, doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), foi professora da educação básica por oito anos. Estudou a afrodescendência e suas relações com a educação. Atua como especialista no Itaú Social.
Quem é Billy Malachias

Geógrafo e mestre em geografia, é pesquisador do Núcleo de Apoio à Pesquisa e Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro (Neinb) da USP e do Núcleo de Pesquisa em Geografia e Redes de Conhecimento e Saberes Pró-Meridionais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Faz parte do conselho consultivo da Cátedra de Educação Básica do Instituto de Estudos Avançados da USP.


Havendo organização dos estudantes, é possível pensar em ações que respondam aos anseios e as necessidades deles. Foi o que aconteceu na própria Santana de Parnaíba, onde escolas passaram a programar atividades para serem realizadas durante as férias escolares.

Em todos os casos, chamou a atenção a importância de preparar os profissionais da educação para serem mais flexíveis e abertos às manifestações dos estudantes e da comunidade. Sobressai, ainda, a importância da capacitação. "Discutimos muito sobre ter uma formação continuada que dialogue com as necessidades que estão na escola de fato. Mas também é necessário pensar uma formação inicial que já traga esses conceitos para que o professor possa olhar para a diversidade e a equidade como princípios fundamentais para que o direito à educação se efetive", resumiu a coordenadora Juliana Yade.