Temas para pensar a escola

por Nelson Niero Neto - publicado 07/02/2020 13:18 - última modificação 07/02/2020 13:18

Durante o segundo semestre de 2019, palestrantes levantaram discussões sobre tópicos como equidade, fragmentação do conhecimento e a gestão escolar
Pontos-chave

1. Gestão, equidade e transdisciplinaridade são temas que se entrelaçaram dentro do espaço escolar. Temas como igualdade, tolerância, colaboração, responsabilidade e justiça estão alinhados a eles.

2. A ideia de equidade está pautada em oferecer mais para aqueles que têm menos e, assim, buscar uma correção das distorções causadas pelas desigualdades, sobretudo econômicas

3. A busca por ideias fundamentais que articulam conhecimentos nas disciplinas são importantes para combater a fragmentação do conhecimento e possibilitar um ensino focado em grandes temas como a Ética, a Energia, a Igualdade, e assim por diante.

4. A autoridade não pode ser confundida com autoritarismo. Ela está diretamente relacionada com o compartilhamento da responsabilidade e com o exercício da justiça.

Por Rodrigo Ratier e equipe

Para a conclusão do primeiro ano de trabalho da Cátedra de Educação Básica, o professor Nílson José Machado elaborou uma síntese das palestras apresentadas durante o Ciclo A Escola: Espaços e Tempos das Ações Docentes, no segundo semestre de 2019. "Os três seminários trataram de temas que se entrelaçaram o tempo todo", afirma o expositor, membro da Comissão Executiva da Cátedra. Machado retomou algumas das ideias apresentadas pelos palestrantes nos encontros realizados em agosto, setembro e outubro deste ano. A fala aconteceu após a artista Kiara Terra iniciar o encontro, realizando uma performance artística para os educadores presentes.

Significados de equidade e igualdade

A primeira apresentação retomada por Machado foi a do professor José Francisco Soares, na palestra "Escola, Diversidade e Equidade", realizada em agosto. O termo equidade, cada vez mais comum nas discussões educacionais, chama a atenção por se diferenciar de igualdade. Enquanto a ideia de igualdade destaca que, diante das normas, todos devem ser tratados igualmente, a ideia de equidade propõe que os tratamentos sejam diferentes para que aqueles mais necessitam, para que todos possam ter acesso a oportunidades similares. "No atendimento da saúde, por exemplo, não se deve dar a todos o mesmo tratamento. Quem mais precisa tem que receber mais", exemplifica o palestrante. Segundo ele, a defesa da igualdade, muitas vezes, é imprecisa: "Ela só faz sentido incondicionalmente quando dizemos que todos são iguais perante a lei".

Outros termos orbitam a discussão sobre equidade. Diferença é um dos mais importantes. Enquanto o conceito de igualdade tenta eliminar as diferenças, a noção de equidade acolhe o fato de que todos são diferentes. Uma ideia relacionada, de desigualdade, também é importante. Em alguns momentos, como em uma Olimpíada de Matemática, é ela quem define o ganhador. "A ideia é combater a desigualdade econômica, porque ela é a vilã", afirma Machado.

 

Veja os vídeos do encontro na íntegra: Parte 1 | Parte 2

Por fim, o palestrante apresentou a diferença entre as noções de indiferença e intolerância. "Há pessoas que passam por situações lastimáveis e, no tratamento a elas, não pode haver indiferença no olhar, mesmo que elas tenham cometido equívocos", diz. Em busca de uma atuação justa na escola, por exemplo, é importante que mesmo o aluno mais bagunceiro tenha o seu direito à aprendizagem garantido. "Tem muita gente que parece estar em uma situação de indiferença, mas, na verdade, é intolerância", finaliza.

A religação dos saberes

"Na escola, no interior de uma disciplina, tão logo um assunto se torna especialmente importante, ele como que declara a independência, quase sempre caracterizando uma nova disciplina dentro da disciplina de origem", resume Nílson sobre como a fragmentação do conhecimento atinge a Educação Básica. Esse foi o tema do segundo seminário do semestre, apresentado pelos professores Naomar de Almeida Filho e José Eli da Veiga. A fragmentação se dá justamente no excesso de especialização disciplinar: segundo ele, os especialistas vão investigando temas cada menores e, em algum momento, perde-se a ideia do todo. "A ideia de fragmentação transforma a mais bela foto num conjunto de pontos, de pixels", compara.

O contraponto à fragmentação excessiva é o desenvolvimento integral. A Educação Infantil é um bom momento para se observar isso. "A criança é uma só, e não há fragmentação no seu modo de aprender. Mas parece que, à medida que elas crescem, deixamos de ser professores de pessoas e passamos a ser professores de disciplinas", afirma Machado.

Há dois eixos em que a fragmentação ocorre. O primeiro se dá entre os polos de multidisciplinaridade e interdisciplinaridade. O termo multidisciplinaridade indica a forma como as instituições escolares se organizam hoje: divididas em diversas disciplinas, mas com pouca ligação entre cada uma delas. O oposto disso é a ideia de interdisciplinaridade, em que há um aumento da relação. "Esse eixo é menos grave, ele é mais facilmente tratado", diz o palestrante.

Pergunta da plateia

Os processos de escolha de gestores são suficientes para legitimar sua autoridade, mesmo quando eles se tornam autoritários?

Uma parte da legitimidade das autoridades está, é claro, relacionada à maneira como elas são colocadas em seus postos. Isso pode se dar por uma eleição direta, mas também por outros processos, como a realização de um processo seletivo. "Mas o que legitima uma autoridade na Educação é a competência", explica Nílson José Machado. Aqui, a competência não apenas no sentido de fazer bem o seu trabalho, mas naquele expresso pela origem da palavra. Do latim, competere significa competir, buscar junto com o outro. Na gestão, essa ideia está relacionada à ideia de trabalhar de maneira colaborativa e democrática: na concepção de um projeto de escola, no enraizamento da escola na comunidade onde ela está inserida, na afirmação desse projeto junto à comunidade escolar. "O gestor está ali a serviço disso, não para colocar em ação suas vontades pessoais", afirma Machado.

O segundo eixo é mais grave e tem como polos as ideias de intradisciplinaridade e transdisciplinaridade. A primeira é justamente o aumento da especialização dentro de um mesmo campo de estudo. "Na Biologia, por exemplo, há muitas disciplinas que são tratadas como se fossem independentes", afirma Machado. A consolidação dessa ideia – no mundo acadêmico, por exemplo – é a ideia de especialista: alguém que conhece um único assunto profundamente. A ideia de transdisciplinaridade, segundo o expositor, se aproxima ao profissional que hoje é conhecido como consultor: alguém que possui um conhecimento específico, mas também a habilidade de observar como esse conhecimento se articula com o contexto maior no qual ele deve trabalhar. Voltando à área da Biologia: é possível haver um especialista que domine profundamente informações sobre o DNA, mas o consultor é capaz de relacionar o estudo do DNA a questões mais amplas, como os aspectos éticos envolvidos no estudo e na manipulação do material genético.

Machado aponta que certas escolas buscam superar esse problema incentivando, por exemplo, que professores de Matemática deem aulas de Arte. Para ele, esse não é o caminho. O importante é garantir que todos os profissionais conheçam temas amplos e que sejam importantes para todas as áreas. "O professor precisa ter discernimento de diferenciar o que é fundamental e o que é complemento nas áreas. Para isso, ele deve estar atento às ideias fundamentais de todas as disciplinas", diz.

Gestão, docência e justiça

O tema do terceiro seminário, segundo Machado, talvez tenha sido o mais complexo. A fala, apresentada por Tereza Perez, se dedicou a refletir sobre as relações entre docentes e gestores escolares. Tanto no seminário, realizado em outubro, quanto na síntese feita por Machado em novembro, essa foi a questão que mais levantou manifestações dos professores presentes. "Um aspecto importante da exposição da Tereza foi a questão da colaboração e da corresponsabilidade -- essas palavras que começam com 'co' merecem atenção e respeito", destaca o expositor em seu resumo.

Quem é Nílson José Machado
Leciona na Universidade de São Paulo desde 1972. Começou trabalhando no Instituto de Matemática e Estatística, e, em 1984, passou a integrar o corpo docente da Faculdade de Educação, onde é professor titular. Além de matemático, é mestre e doutor em filosofia da educação e livre-docente na área de epistemologia e didática. Escreveu cerca de duas dezenas de livros para crianças e publica microensaios semanais em seu site pessoal: www.nilsonjosemachado.net

Um primeiro tópico ligado ao tema é a questão da autoridade. "A palavra autoridade, às vezes, dá urticária em alguns contextos para algumas pessoas. A associação direta é com autoritarismo", explica Machado. Ele propõe uma relação diferente: com responsabilidade. Quando algum problema grave acontece na cidade, por exemplo, procura-se o responsável, uma autoridade. Outra relação proposta por Machado é com a ideia de autoria. Ambas as palavras têm a mesma origem do latim, augere, que significa crescer, aumentar. Pensando nesse sentido, a autoridade é a pessoa que cria ou amplifica a ordem.

Em um contexto educacional, a ordem é importante para conduzir a aprendizagem. Mas é preciso tomar cuidado com o excesso. "Buscar um ponto de equilíbrio é fundamental. E o elemento decisivo na busca de tal equilíbrio é justamente a ideia de responsabilidade: dividir a gestão é dividir a responsabilidade", diz Machado.

Outro ponto destacado por ele é a relação entre autoridade e tolerância. Para concluir, Machado invoca a ideia de justiça que, segundo ele, está relacionada aos temas de todos os seminários. Nesse caso, a tolerância envolve uma ação que busque ser justa, considerando as diferenças existentes entre as pessoas.