Foco na equidade e nas especificidades

por Nelson Niero Neto - publicado 07/02/2020 13:36 - última modificação 07/02/2020 13:36

Os projetos temáticos propostos pelos participantes focaram em atender demandas de públicos tradicionalmente deixados de lado pelas políticas públicas
Pontos-chave

1. É importante que os projetos educacionais se voltem para aspectos que foram, historicamente, deixados de lado: sejam temas que poderiam ser abordados no currículo – como o tratamento dado ao lixo, ao erro e as brincadeiras – seja na criação de políticas para atender os que mais precisam.

2. A ideia do desenvolvimento integral dos estudantes – que vai contra a fragmentação do conhecimento – pressupõe a concepção de projetos cada vez mais criados de maneira colaborativa entre professores, gestores, funcionários, estudantes, pais e comunidade.

3. A formação constante e a elaboração de diretrizes que consolidem a identidade da escola – como o Projeto Político Pedagógico – são fundamentais para que propostas de desenvolvimento integral sejam criadas e implantadas nas instituições de ensino.

Por Rodrigo Ratier e equipe

Durante o último encontro do Ciclo A Escola: Espaços e Tempos das Ações Docentes, promovido pela Cátedra de Educação Básica, iniciativa do Instituto de Estudos Avançados da USP e do Itaú Social, o professor Lino de Macedo organizou e apresentou uma síntese com alguns dos projetos temáticos submetidos pelos mais de 150 participantes. Ao longo do segundo semestre, educadores formularam, em grupo, propostas de intervenção com base nos temas tratados nos seminários temáticos.

Macedo organizou as propostas que foram apresentadas oralmente ao final de cada encontro e as consolidou em um resumo de cerca de um parágrafo, que foi discutido pelos professores e coordenadores das atividades. Leia, abaixo, um resumo das discussões.

Seminário 1 - Escola: Diversidade e Equidade

Após palestra ministrada pelo professor José Francisco Soares, os educadores participantes se dividiram em três grupos para discutir como aspectos ligados à diversidade. Em seguida, se manifestam quanto à relação com a família e a comunidade, no cotidiano e nos interesses dos estudantes. Leia, abaixo, o resumo das propostas apresentadas ao fim do dia.

Tema 1A: Escola, Família e Comunidade, coordenada por Luís Carlos de Menezes e Claudia Sintoni (Leia mais sobre a discussão aqui).

Resumo da proposta "Colaboração escola, família e comunidade"

Observar situações de risco, em que crianças vulneráveis necessitam de amparo da escola em épocas de recesso (férias, final de semana e feriados), oferecendo-lhes oportunidades educacionais de ocuparem seu tempo livre de forma protegida e proveitosa ao seu desenvolvimento integral. Colaborar com a família e a comunidade no cuidado de suas crianças e jovens. Reconhecer lideranças nos territórios, construir parcerias, efetuar realizações coletivas. Favorecer a diversidade e a equidade na escola, no contexto social e familiar.

Comentários dos especialistas

Segundo Macedo, o ponto mais tocante dessa proposta está no olhar para o cuidado contínuo com os estudantes. "Às vezes a gente cuida bem no horário restrito da escola, mas, no fim de semana e nas férias, eles também precisam de nós", afirma. Menezes, que coordenou a discussão que levou a essa proposta, também destacou esse aspecto: "Se a família descuidou e a escola também descuida, estamos produzindo indivíduos à margem. Justamente essas crianças são as que precisam de mais atenção."

Veja os vídeos do encontro na íntegra: Parte 1Parte 2

Tema 1B: Escola, Diversidade e Equidade no Cotidiano, coordenada por Juliana Yade e Billy Malachias (Leia mais sobre a discussão aqui).

Resumo da proposta "Oportunidade de aprendizagem aos alunos da EJA"

Favorecer a frequência de alunos na EJA. Tornar essa escola atrativa e  relacionar o conteúdo das aulas ao seu contexto sócio cultural e profissional. Formar professores para essa escola e atualizar suas metodologias de ensino, tornando-as mais ativas. Tratar os alunos como adultos. Utilizar projetos de vida como tema integrador.  Apoiar política pública em favor da EJA. Integrar essa escola a cursos técnicos profissionalizantes. Valorizar questões transversais: equidade, diversidade cultural, orientação sexual, gênero, consumo, nos termos propostos pela BNCC. Oferecer bolsas de estudos e, se necessário, atendimento psicológico.

Comentários dos especialistas

O olhar para aqueles que buscam o retorno à escola é o mais importante. "Muitas vezes os jovens caem na vida, abandonam os estudos e precisam voltar a ela", diz Macedo. Juliana Yade ressalta a importância de promoção da equidade. "É fundamental olhar para a EJA e tratar suas especificidades. É preciso olhar para as pessoas e usar métodos de educação de adultos, não de ensino de crianças", afirma.

Tema 1C: Escola - Desenvolvimento de Interesses, coordenada por Helena Singer e Claudia Petri (Leia mais sobre a discussão aqui).

Resumo da proposta "Interesse e estudo do lixo"

Recorrendo ao problema do lixo, realizar projeto interdisciplinar. Os alunos observam, fazem registros fotográficos das condições do bairro sobre a destinação do lixo. Sensibilizar a comunidade para a qualidade de vida do bairro. Conversar sobre produção, descarte e reaproveitamento do lixo. Realizar passeio turístico pelo bairro, produzir folder, elaborar guia turístico. Componentes curriculares focados em um único tema. Língua Portuguesa: reportagens, relatos de experiência, manual de informações, blog, questionário sobre critérios de separação do lixo. Matemática: gráficos e estatísticas sobre a reciclagem. Arte e Educação Física: ressignificação dos materiais para uso lúdico nos pátios e recreios. História: registros de imagens. Geografia: reconhecimento do bairro e do produto final, carta ao poder público, feira científica cultural.

Comentários dos especialistas

O conteúdo abordado pelo grupo é fundamental em um momento de discussão intensa sobre a promoção da sustentabilidade. "Lixo será um tema cada vez mais crucial", destaca Macedo. Luís Carlos de Menezes também destacou a importância de um projeto que olha para um tópico tão pouco debatido. "Muitos dos projetos que temos aqui falam de assuntos que estão à margem, e lixo é um deles", afirma.

Seminário 2 - Escola: Fragmentação Disciplinar e Transdisciplinaridade

No segundo encontro do semestre, os professores Naomar de Almeida Filho e José Eli da Veiga discutiram como a especialização na construção do conhecimento levou a uma fragmentação, situação em que as disciplinas estão cada vez mais isoladas umas das outras e distantes dos grandes objetos de conhecimento que interessam à sociedade. Leia, abaixo, um resumo das propostas elaboradas com base nesse tema.

Tema 2A: Linguagem, Matemática e Tecnologia, coordenada por Nílson José Machado, Eliane Reame e Walter Spinelli (Leia mais sobre a discussão aqui).

Resumo da proposta "Análise do erro como estratégia de mudança no pensar"

Analisar e discutir erros como estratégia de mudança, para melhor, na forma de pensar. Utilizar rodas de conversa e registros escritos para desconstruir certas ideias na matemática (ênfase em números e cálculos, “vai um”, problemas fechados). Valorizar respostas à questão: Em que medida o erro contribui às aprendizagens escolares? Vincular o projeto com a temática, “fragmentação disciplinar e transdisciplinaridade”. Discutir o erro na língua (erro gramatical), em matemática (“certo” e “errado”), na tecnologia (inaceitável).

Comentários dos especialistas

Walter Spinelli, coordenador da atividade temática, destacou como o erro tem sido importante na área de Matemática. "A ideia do erro precisa aparecer relacionada aos desafios. Não há erro a ser reconhecido se a proposta não é desafiadora", diz. Já Macedo ampliou a discussão, propondo reflexões sobre equívocos cometidos pelos próprios educadores: "Fiquei pensando como o líder de uma escola aceita por na roda questões ligadas ao modo de gestão dele", provoca.

Tema 2B: Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Cultura, coordenada por Luís Carlos de Menezes e Sônia Dias. (Leia mais sobre a discussão aqui)

Resumo da proposta "Quebrar paradigmas"

Realizar projetos em uma perspectiva interdisciplinar. Por exemplo, programa de atenção à saúde, fazendo ponte com necessidades sociais. Ou, então, um outro voltado para economia financeira, finanças familiares, orçamentos. Além da matemática, há de se considerar consumo de energia, corpo humano, saúde, economia. Ou seja, nessa experiência afloram elementos de ciências da natureza, ciências humanas realidade física, contexto social das famílias. O contexto é a “mãe” da interdisciplinaridade. E família e comunidade fazem parte dele. Reconhecer que professor sozinho não produz interdisciplinaridade. Necessita-se de um projeto de escola, com a participação da família. Se a família não participa, ela pode pensar “ao invés de dar aula, vocês estão matando aula com esse projeto”.

Comentários dos especialistas

Para Menezes, que coordenou a atividade, esse projeto e muitos dos anteriores se destacam por trazer para a escola um vínculo muito forte com a realidade dos alunos, das famílias e da comunidade. "A ideia central do trabalhar em contexto é o contexto social e cultural em que a escola está imersa e não simplesmente a cultura da sala de aula", afirma.

Tema 2C: Vivência dos Conteúdos na Educação Infantil, coordenada por Lino de Macedo e Waldete Tristão (Leia mais sobre a discussão aqui).

Resumo da proposta "Não antecipar o processo de escolarização na Educação Infantil"

Na Escola de Educação Infantil cultivam-se saberes e conhecimentos a serem vividos no contexto de projetos ou de campos de experiências. Evitar, por isso, a tendência à antecipação do processo de escolarização. Integrar professores da Educação Infantil com seus colegas da Escola Fundamental I. Valorizar a cultura de cada um desses territórios educacionais. Praticar a formação continuada de professores, fortalecendo concepções de criança e infância. Sensibilizar gestores, professores e funcionários, para a importância da Educação Infantil. Fazer reuniões periódicas com os pais para eles avaliarem a qualidade da escola. Cultivar os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, segundo a BNCC. Estimular alunos do segundo ano da Pré-escola a visitarem seus colegas de primeiro e segundo anos da Escola Fundamental. Desestimular o processo de alfabetização na Pré-escola. Avaliar os alunos através de observações e registros.

Comentário dos especialistas

Na discussão sobre essa proposta, destaque para o brincar, uma importante atividade realizada pelas crianças e de que deve ser estimulada nessa etapa da escolarização. "Não do brincar como ensinar uma disciplina escondida, mas no sentido pleno, que é de sonhar o mundo, imaginá-lo e praticar a liberdade para, com base nela, formar as ferramentas de um pensamento que se desenvolve brincando", destaca Macedo.

Seminário 3: Escola: gestão e docência

No terceiro encontro do semestre, Tereza Perez palestrou sobre o papel da dupla gestora no cotidiano escolar: como coordenadores pedagógicos e diretores podem atuar para promover a criação e implantação de um projeto de escola focado no desenvolvimento integral dos estudantes. Após o debate em plenária, os participantes foram novamente divididos em grupos para a realização de atividades temáticas. Leia, abaixo, um resumo das propostas em destaque.

Tema 3A: O espaço aula, coordenada por Silene Kuin e Mônica Carrer (Leia mais sobre a discussão aqui).

Resumo da proposta "Elementos constituintes de uma boa aula"

O que é importante antes da aula? Escolher um bom e adequado tema. Reunir os materiais. Planejar o ambiente da aula. Considerar alunos com déficit de aprendizagem ou de inclusão. Valorizar o objetivo da aula. Considerar os conhecimentos prévios do professor e o campo de interesse dos alunos. Planejar boa de avaliação. O que é importante durante a aula? Levantar hipóteses dos alunos e problematizar a discussão. Portar os materiais a serem utilizados na aula. Praticar a escuta, a empatia, a criação de vínculos. Utilizar metodologias ativas. Valorizar o erro como parte do processo ensino - aprendizagem.  O que é importante depois da aula? Avaliar planejamento e envolvimento dos alunos. Fazer registros sobre a prática. Preparar-se para a próxima aula. Envolver gestores no magistério. Observar melhorias, desafios e compartilhar os registros.

Comentário dos especialistas

Mônica Carrer, que coordenou a atividade, destacou a importância de considerar muitos outros tópicos ao endereçar esse tema: pensar o clima da aula, a relação entre professores e alunos e a importância do trabalho colaborativo entre professores e gestores na concepção das propostas didáticas.

Tema 3B: A escola além da aula, coordenada por Vera B. Henriques e Juliana Yade (Leia mais sobre a discussão aqui).

Resumo da proposta "Para um futuro sustentável"

Escola e comunidade participam do projeto. Trabalhar, em sala de aula, a questão do tempo de degradação dos produtos recolhidos. Propor brincadeiras e gincanas. Motivar os alunos na realização do projeto: qual sala traz mais materiais?; será que se consegue uma bonificação? O prazo para se concluir o projeto no todo ou em parte, é outro fator estimulante. Realizar projeto de forma interdisciplinar ou  transdisciplinar.

Comentário dos especialistas

A expansão dos limites da aula para fora do espaço escolar foi o ponto destacado nessa proposta. "Me encantou a ideia dos alunos saírem na comunidade, recolherem os materiais e trazerem de volta para a escola", diz Macedo. Juliana Yade, que coordenou a atividade, também destaca a relação que se estabelece entre crianças e moradores do entorno quando os estudantes vão a campo. "O que foi rico nesse grupo, foram os relatos de experiências sobre como a comunidade se torna também responsável pelo cuidado das crianças no caminho", conta.

Tema 3C: Trabalho pedagógico coletivo, coordenada por Luís Carlos de Menezes e Mônica Almeida (Leia mais sobre a discussão aqui).

Resumo da proposta "HTPC como espaço de formação"

Recorrer ao espaço e tempo do HTPC para realizar a formação de professores, gestores e demais profissionais da escola. Considerar suas demandas e dialogar com a realidade. Realizar encontros formativos quinzenais. Fazer leitura dos discursos, e concepções subjacentes a ele.terem protagonismo. Aprender a praticar gestão democrática e oportunizar a participação decisória dos sujeitos. Comprometer-se com a ética profissional, em favor de uma escola que dá certo. Partilhar informações com professores que não participam, porque trabalham em mais de uma escola. Valorizar a construção de um perfil profissional. O perfil do gestor é importante na condução do trabalho pedagógico. Motivar os professores estão desanimados, tirá-los da zona de conforto e os implicar com o projeto político pedagógico da escola, de forma não de forma autoritária. Tem-se que ser democrático e os ouvir. Começar por pequenas ações, com um grupo pequeno de professores. Mostrar para a comunidade. Divulgar o projeto. E, com sensibilidade, mobilizar outros professores para também participarem do projeto.

Comentários dos especialistas

Mônica Almeida, coordenadora da atividade temática, destaca como a responsabilidade pela garantia do momento de trabalho coletivo deve ser do coordenador pedagógico e da própria rede. "Tem que valer como uma política pública para que o professor tenha acesso aos momentos de trabalho coletivo dentro da escola", diz. Menezes, que também coordenou a atividade, destacou a importância do encontro entre equipe docente e gestores para construção da identidade escolar. "Em certas escolas, o professor chega no primeiro dia de aula para para ver qual é a sala onde ele vai dar aula. A ideia do trabalho coletivo tem esse sentido de que a equipe gestora e docente da escola seja, de fato, uma equipe", afirma.